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terça-feira, 10 de junho de 2014

JP Carvalho, provando do próprio veneno!


(Entrevista por: Vanessa Joda)

Ele faz isso com a gente e chegou a hora de fazermos o mesmo com ele. Em um longo bate papo, JP rasga o verbo e da tapa na cara do Underground.

HM Breakdown: Antes de tudo, obrigada pelo seu tempo e por nos dar o privilegio dessa conversa. Agora nos fale sobre você e suas atividades.
JP: Achei que eu ia me safar dessa. Bom, eu sou o JP, tenho 46 anos, curto Heavy Metal desde os 15 anos de idade, faço parte dos blogs Acervo Clave e Anti-Heroi Recordz, com meus amigos Prika Amaral e Jony Roque respectivamente. Também sou o carrasco do Heavy Metal Breakdown, um blog de entrevistas com foco nas pessoas que fazem, fizeram ou trabalham pela cena da música pesada, com foco na cena nacional, mas totalmente aberto para a cena de outros países. Também sou diagramador em um jornal e vocalista da banda Yekun

HMB: Como surgiu a ideia desse blog foda do Heavy Metal Breakdown?
JP: Para dizer a verdade, eu já estava meio de saco cheio de entrevistas com bandas, afinal, elas exploram sempre as mesmas coisas, produção, shows, características do último álbum lançado e essas coisas, além de que, as perguntas sempre giravam em torno de algo muito específico e eu queria fazer algo que mostrasse para as pessoas que muito além das bandas, existe um mundo inteiro que faz com que cada cenário tenha sua expressão, e nisso estão os produtores, promotores, jornalistas, blogueiros, fotógrafos, técnicos de som, os fãs, eu tinha que explorar esse lado mais humano da música pesada, explorar as paixões e aspirações das pessoas, conhecer o outro lado disso tudo e ir além e enxergar o músico como um ser humano normal, com suas qualidades e defeitos, e isso tem me surpreendido muito, além de que, até agora, percebi dois pontos em comum, que são: a falta de apoio para as bandas autorias e a paixão pelo que fazem, e essa paixão tem sido o combustível do Heavy Metal Breakdown. A paixão por algo e fazer alguma coisa que agregasse ao trabalho de todos. E pode ter certeza, sempre vai ter espaço no blog para quem tem algo para dizer.

HMB: Digo-te que todos nós, amantes da musica pesada e do cenário Underground te agradecemos muito por isso. Mas conte ao seu próprio blog aqui (risos), você teve um estágio antes com o blog JP Estressado, não? Você ainda o escreve ou está só na paulera do HMB? Este blog era um desabafo íntimo do JP?
JP: O Estressado é a forma como eu vejo o mundo (risos), então, por ai você já imagina a quantidade de coisas inúteis que eu sou capaz de pensar em poucos minutos. Esse blog veio da minha necessidade de fazer as pessoas rirem, porque ele é um blog de humor, onde alguns acontecimentos cotidianos tomam proporções muito maiores do que costumamos ver, mesmo que estejam todos lá. O blog ainda está ativo e sempre que posso, eu coloco alguma coisa, claro, tem que haver o fato, o ridículo e a minha vontade de escrever algo que fique engraçado, senão, perde o foco. Ele é de fatos verídicos, de acontecimentos reais no meu dia a dia e que eu, na minha insanidade, transformo em algo ridículo e engraçado. Claro, tem coisas lá que são fictícias, mas ai, só compete a mim saber o que é real ou não.


HMB: Eu sou muito fã do JP Estressado e de fato me divirto com seus textos. Você também leva esse seu lado "comediante" para a música que você faz ou ali não é "lugar pra brincadeira"?
JP: São mundos diferentes né? Mas não é por isso que jamais vamos fazer algo engraçado, ou escrito de forma engraçada. Se couber no contexto do som, vai ser feito sim e sem ressalvas quanto aos outros caras da banda (o Yekun, no caso), ate porque foi uma banda criada para se ter liberdade artística, onde pode quase tudo, a única regra é ser pesado e com andamento mais lento. E eu gosto demais de humor, acho que rir é a regra número um da vida, a segunda é ser educado com as pessoas. Agora, se eu disser que nosso ensaio não é lugar para brincadeira, estarei contando a maior mentira do mundo, existe muito humor na banda e claro, sempre respeitando uns aos outros. E logo mais, se tudo der certo, vamos fazer uma parceria com meu amigo Jony Roque e sua banda, o Devil´s Punch para musicar uma letra com conteúdo humorístico que fiz, mas ainda não temos nada.

HMB: Como você lida com comentários depreciativos nos blogs que você tem?
JP: Facinho, facinho! Nos meus blogs não são aceitos comentários anônimos e monitoro todos eles, até deixo rolar um comentário "desconhecido" por muitas vezes as pessoas nem sabem que tem que estar logado pra rolar um comentário ou a pessoa prefere que seja assim o perfil dela. Mas se for depreciativo e desconhecido eu não publico, mas se estiver logado na conta pessoal dela e ele fizer um comentário ruim sobre o que quer que seja eu publico de qualquer forma. Afinal hoje, com o anonimato que a rede permite, se alguém coloca a cara pra bater e disser algo de ruim sobre alguém e assume o que disse nada mais digno do que este comentário ser publicado.

HMB: Antes do Yekun, você era vocalista do Ódio Social. Conte-nos sobre sua trajetória no mundo da musica, como começou, por onde passou, as experiências e ensinamentos, seus ídolos e o que tudo isso te influenciou a ser o homem que você é hoje
JP: Ferrou, vou escrever um e-book agora! (risos) Bom, comecei a pleitear ter uma banda com uns quinze anos, sempre ficava imaginando que diabo de instrumento eu gostaria de tocar, porém, isso foi na década de 1980 quem viveu aquela época sabe muito bem que a possibilidade de um adolescente, pobre, tentando entrar no mercado de trabalho, comprar um instrumento musical era praticamente nula. E resolvi que eu poderia cantar. Afinal cantar qualquer um pode, depois de um tempo, conheci o Vlad, hoje baterista do Yekun, e ficamos lá planejando fazer alguma coisa, algumas dessas coisas saíram e outras nem do papel.
Então, eu fui tocar em uma banda de amigos chamada Sarkoma, era legal, éramos todos amigos, e num determinado momento ficamos sem baterista, foi à cara, corri e chamei o Vlad para a banda. Mas nossas obrigações pessoais e profissionais nos fizeram encerrar as atividades. Juntos eu e o Vlad, já começamos a planejar outra banda, nos juntamos a um dos guitarristas do Sarkoma (Biro) e chamamos um amigo que já era um puta guitarrista na época, o Beto, achamos o Ritchie (hoje, baixista do Gritando HC) e fizemos uma banda chamada Mirror, na teoria essa já era o embrião do que é o Yekun hoje, mas por falta de experiência acabamos nos tornando uma banda de Heavy Metal clássico com uma pegada bem Thrash Metal, foi legal, chegamos a tocar no Sesc Pompéia, e tem um registro em vídeo disso, que faz tempo que estamos querendo digitalizar. Bom, o Mirror acabou e cada um seguiu o seu caminho.
Passei por algumas bandas que nunca deram em nada, até que cai de paraquedas numa banda já formada e com algum reconhecimento no cenário Hardcore de São Paulo, eu e o Eduardo Magoo (hoje, guitarrista do Faces of Desaster) nos juntamos ao RRRAICT TUFF!!! Banda que já contava com o Danilo Moleza na guitarra e o Marcelo Korujão (hoje no King Bird) na bateria. Foi mágico, logo estávamos tocando ao vivo e o povo enlouquecia com a banda, afinal no palco “a gente era os caras”.
E aprendi muito sobre cantar rápido, mas muito rápido mesmo para os padrões da época. Até porque aquele bando de desocupados cada dia tocava mais rápido e mais rápido e claro, eu não ia pedir para diminuírem a velocidade e eu ia na onda deles, logo, o som ao vivo tomou proporções gigantescas, era quase Grind, quase Death Metal e era mais incrível ainda, ver aqueles caras tocando no palco, Korujão sempre foi um ótimo batera mas, vê-lo em ação do RT!!! era demais! Passei muito tempo apenas ouvindo ele nos palcos, era minha referência de tempo. Por muitas vezes eu me esquecia de cantar os sons e ficava lá em cima do palco ouvindo os rifs (risos) até que alguém me dava um cutucão, e eu voltava (risos). Nesse meio tempo, eu e o Magoo, precisando colocar o nosso lado Death Metal para fora, fizemos o Inner Voices que caminhava muito bem e paralelamente ao RRRAICT TUFF!!!
E foi nessa época que fui diagnosticado com câncer, um tumor na cabeça chamado meningioma. Tive que ser internado e operado, apesar da minha recuperação rápida, o médico disse que sou mutante (risos), fiquei quase cinco anos sem nem ver uma banda tocar, confesso que nem pensava nisso, nesse meio tempo o RRRAICT TUFF!!! acabou, e o Inner Voices foi para a geladeira.
Depois de um tempo, o Leandro do Ódio Social, entrou em contato comigo perguntando se eu não topava fazer um som com eles, não disse nem que sim e nem que não, armei uma parada e fui ver os caras ao vivo. Já os conhecia do tempo do RT!!! Mas eu não tinha a mínima ideia do que eu ia encontrar lá.
Fui ao show, pra variar a aparelhagem era um tanto tosca, mas deu para ter uma ideia do que eu iria encarar se aceitasse o convite, música tocada na velocidade da luz. Fui ao ensaio dos caras e acabamos oficializando a minha entrada na banda, foi legal, porque eu sentia aquela vibe dos tempos do RT!!! Mas com muito mais sangue nos olhos. E foi um tempo muito bom que passei com eles, fizemos ótimos shows, outros nem tanto. Mas era legal, prazeroso tocar com os caras.
Em seguida, armei uma com Panda Reis (Oligarquia), rebatizamos a Heresia como Heresia 666 e saímos tocando e gravamos um EP, que disponibilizamos para download gratuito através do site da nossa assessoria de imprensa, a Metal Media. Nesse meio tempo eu também estava fazendo um som com meus amigos do Melody Monster e havia voltado a tocar com o Magoo e com o Inner Voices, junto com o Tatuzão, um amigo desde nossa adolescência e com a Prika Amaral, hoje na Nervosa.
Mas eu estava bem cansado de tocar sons rápidos, sabe como é. A idade chega e cobra o preço, ainda sou bem capaz de cantar músicas assim, mas eu não quero mais, só se for uma coisa aqui e uma ali.
Decidi sair do Ódio Social e do Heresia 666 ao mesmo tempo e me dedicar ao meu projeto, eu havia gravado coisas com as bandas de Hardcore, feitos muitos shows, mas faltava alguma coisa. E não foi difícil descobrir que faltava. E era fazer alguma coisa que levasse o rótulo Heavy Metal, que foi a minha origem e sempre foi a minha grande paixão. Eu já tinha o nome, Yekun Bell´s, a ideia de ser mais lento, mais pesado, e me reencontrei com o Vlad, após muitos anos, e o chamei para essa empreitada, como ele não estava tocando com ninguém e era desde o começo parte deste projeto, fechamos a parceria, por sugestão dele, rebatizamos a banda como Yekun, chamei o Tatuzão que estava comigo no Inner Voices (que já estava na geladeira de novo) e como a Prika Amaral havia formado a Nervosa e estava indo muito bem, decidimos buscar uma pessoa que estivesse na mesma sintonia que nós, somos amigos de muito tempo, já rola aquela questão de conversar sem nem sequer abrir a boca. E achamos o Dio, que estava fazendo um trabalho maravilhoso no Gritando HC, e o chamamos para a parada e ele topou na hora. Foi mágico também, em pouco tempo gravamos um EP, que também fiz questão de disponibilizar para download gratuito, novamente no site da Metal Media, até porque essa parceria migrou para o Yekun também. Com o tempo, sentimos falta de mais uma guitarra na banda, mas não queríamos chamar um amigo e dizer: toca ai! Tinha que ter a sintonia, tinha que ter a química, e foi engraçado descobrir que o cara certo, André Abreu, estava ali ao nosso lado desde o começo da banda, como amigo e como fã. Foi fácil a integração dele na banda e com ele agregamos mais melodia e mais loucuras na nossa insanidade musical.
Bom, se eu for falar de influências vai outro tanto, mas eu sou um cara que ouve praticamente tudo que cai na minha mão, nunca digo que não gosto sem ouvir! Mas tem algumas coisas que são preciosas no meu player e raramente alguns discos saem de lá, tem coisas como Tytan Force, Jag Panzer, que eu até tenho o logo tatuado na perna, e nem só porque têm as letras JP (risos), Slayer, Uriah Heep, Masterplan, Down, Pungent Stench, Slade, Boston, Kansas, e por ai vai. Mas eu também sou um cara que migra por extremos, vou de Nile a Avantasia sem a menor cerimônia.
Ídolos eu tenho vários, são todas as pessoas que de uma forma ou de outra passaram ou estão na minha vida e somaram coisas boas a ela. E é a convivência com pessoas boas, companheiras, parceiras de verdade que molda o meu caráter e a forma como interajo com todos.


HMB: Wow! Que historia! E baseado nesse belíssimo relato, como você vê a evolução da cena? Você acha que mudou muita coisa de antes pra agora? Pra melhor ou pra pior? Baseado em sua experiência, o que você acha que deve ser feito pra melhorar? Você "vê" uma união da galera ou vê grupos e pessoas trabalhando para isso?
 JP: Assim, a cena melhor, é a que você faz! A que você faz o que for preciso para manter relevante. Evoluir sempre, até porque nada fica estagnado no tempo, agora, que vantagem nós vamos tirar dessa evolução é que são elas. Se fizermos um comparativo com a cena dos anos 80, hoje estamos há anos luz do que era. Tudo era muito precário, caro, inacessível até. Hoje tá tudo ai, estúdios bons, músicos sensacionais, discos beirando a perfeição, mas... E dai? Cadê a paixão, cadê o sangue correndo nas veias? Vejo que tudo ficou muito morno, vejo bandas requentando fórmulas e se repetindo dia após dia, e como praticamente todo o público Heavy metal deste país é banda, não querem saber de se divertir, ficam lá vendo se o cara é bom, se toca tanto quanto ele! Se, possui qualidades técnicas pra isso ou aquilo ou simplesmente ignoram. Porra! Para mim, a música é diversão e sentimento, então peguem as suas técnicas e apostilas e enfiem no rabo.
Quando pensei o Yekun eu queria simplesmente ser o mais musical possível, sem solinhos bolinha de sabão, sem autoindulgência, só musica... Tipo Ramones, Bad Religion, tipo Six Feet Under! Fazer o som bater no peito, estremecer o chão, subir lá e tocar, com paixão, sem os artifícios do Circo de Soleil. Claro, é válido para caralho isso, mas porra... De que adianta o cara fazer até tricô com uma guitarra nas mãos e compôr um disco chato, enfadonho que só malas que nem ele vão gostar? Diferente do maior referencial em guitarra no mundo, que é o Steve Vai, que faz um show orgânico, extremamente musical e com todos os artifícios possíveis na questão musical... Mas ele é um cara que faz música para as pessoas com sentimento, com feeling, com tesão. Ai eu pergunto, cadê os outros? Sei lá, questão de gosto.
Mas, ao contrário do que possa parecer, enxergo muito bem e vejo um crescimento assustador no cenário... Hoje além de termos a Roadie Crew que é a publicação mais importante para a música pesada da América do Sul, temos diversos blogs, programas on line direcionados, pessoas que de uma forma ou de outra, se envolvem e dão o que podem pela paixão que só o Heavy Metal é capaz de despertar nas pessoas... Digo que hoje, vivemos um momento Manowar, onde todos que estão inseridos na cena, bradam aos quatro ventos que são Headbangers, que gostam de som pesado, seja de qual vertente for. As bandas estão se profissionalizando, estão gravando discos com qualidade indiscutível e também está havendo uma crescente de assessorias de imprensa pelo país, que tira das costas dos músicos a responsabilidade de divulgar a sua arte e com isso eles podem se concentrar nas composições e nas gravações, e claro, quem ganha com tudo isso somos nós, o público.
Ficar ai dizendo que isso ou aquilo é melhor, que eu vejo, eu escuto, eu assisto... Mas cadê a porra do eu participo, cadê a porra do eu faço acontecer? De verdade, faço a minha parte e muito mais que isso, porque eu edito meus blogs, participo de mais alguns deles, dou apoio a quem tá nessa comigo e as pessoas que fazem acontecer também, seja editando um site, escrevendo, filmando shows ou o que quer que seja. E eu ainda vou mais além, porque eu sim, gasto meu dinheiro em ensaios, em gravações, e gravações profissionais, diga-se, invisto meu tempo e meu trabalho e faço a arte gráfica e ainda convenço meus companheiros de banda a lançar na rede, on-line, para download gratuito, única e simplesmente pra democratizar a música e a arte, É a minha música, e está lá, disponível para quem quiser, é assim que fazemos e quer saber o que a levamos de volta? Ditos escrevedores da cena dizendo que não vão resenhar o CD porque eles só o fazem com o produto em mãos, ou seja, se não tiver o CD físico eles nem gastam de ouvir, outros que simplesmente baixam seu CD e jamais ouvem ou são incapazes de dizer para você se seu trampo é bom ou se ele achou tudo uma merda! Claro, não estou generalizando, existem muitos caras que valorizam o trabalho, valorizam o fato de você democratizar seu trabalho. Pra mim é isso que vale! Porque ser apenas Headbanger on-line não vinga, não gira e acima de tudo, não sustenta o cenário de forma alguma. Meu coração pulsa de verdade e não tem fibra ótica nele.

HMB: Por falar nisso, porque o Yekun praticamente não toca ao vivo?
JP: Bom, essa é ótima, o Yekun nunca deveria fazer shows, em minha opinião, é bem decepcionante você mover céus e terras pra organizar um evento e no fim não ir ninguém, tanto bandas como quem organiza ficam com a sensação de fracasso e se culpam por isso. Dá minha parte já deu, como eu disse anteriormente, toco desde os meus quinze anos de idade, estou com 46, não faz mais sentido ficar me culpando pela falta de interesse das pessoas. E como diz meu amigo Aldo, da banda Trevas: Se for divertido, tudo bem, mas se for pra se desgastar, tem que ser muito bem remunerado ou não vale a pena. E shows pequenos, sem infraestrutura adequada em nosso país é isso, perda de tempo, pelo menos em São Paulo, capital.

HMB: Mas vocês tocaram, pela primeira vez, aliás, na abertura do Projeto Subterrâneo, né? E iriam tocar novamente se o Zapata (casa que abriu as portas pro Subterrâneo, abraçando a causa fortemente) não estivesse de mudança. Porque no Projeto Subterrâneo vocês tocaram e tocam? Afinal correria esse tal risco que você não quer correr.
JP: Primeiro quero deixar claro, que sim, o Yekun toca ao vivo, não depende da minha vontade só, a banda conta com mais quatro pessoas na formação e que gostam e querem tocar ao vivo. Preferimos tocar pouco e com qualidade, tem que ser divertido, e não ter estresse, então quando houve o seu convite para participarmos do Projeto, eu logo contatei os caras e decidimos fazer o primeiro show do Yekun ali. O Projeto Subterrâneo meio que juntou todas essas coisas, uma casa bacana, com som legal e bandas excelentes, e como já estava previsto, correu tudo bem, dentro da normalidade de um “tudo bem” no underground. Todos tocaram, o público se divertiu e claro, foi uma festa. Este segundo não aconteceu devido à mudança da casa para outro imóvel, preferimos, nós, o Oligarquia e o Trevas, esperar as coisas se acertarem e ver como ia ser dali em diante. Risco não tinha nenhum, era praticamente um fest do cenário Hardcore, e com exceção do Yekun, as duas outras bandas, Sistema Sangria e Homeless são desse cenário, e nesse tipo de evento as pessoas comparecem e participam da coisa toda. Apesar de ser música extrema e pesada do mesmo jeito, existe um diferencial muito grande no comportamento das pessoas em relação às bandas. Não sei explicar, tem que estar lá e ver cada um por si mesmo.


HMB: Como você vê essa prática dos produtores de shows de cobrarem das bandas para tocar? Você pagaria para tocar em algum evento?
JP: Eu? (gargalhadas). Pagar pra tocar? Nem fodendo! Nem para abrir para a minha banda preferida de todos os tempos ou tocar em um festival com todas as minhas bandas preferidas de todos os tempos... Cara, eu já pago TV a cabo, se for para pagar, continuo pagando a TV e fico em casa vendo o Animal Planet... Os animais de lá são muito mais legais que esse ai que você citou!

HMB: Sobre os shows internacionais, qual sua opinião sobre?
JP: São válidos, apesar das dificuldades financeiras, somos uma nação que respira música extrema, música pesada, hoje somos rota obrigatória nas grandes, médias e pequenas turnês de todas as bandas! Claro, existem excessos, como a vinda de bandas pela enésima vez ou um único ato em São Paulo por um preço absurdo. Mas ai são coisas da politicagem e dos negócios, compete a nós tentar entender a seriedade de quem está promovendo o show. Afinal há 20, 25,30 anos, essa era uma questão totalmente fora das nossas realidades, a vinda do Venom com o Exciter para alguns shows pelo Brasil foi uma benção dos céus para todo Headbanger existente no Brasil. Apesar de tudo foi um dos marcos e um dos inícios de uma era de grandes apresentações no país. E nem falei da importância do Rock in Rio, que ajudou demais a mostrar ao mundo que no Brasil também tem Heavy Metal.

HMB: Você acha que as bandas brasileiras tem a mesma oportunidade de tocar lá fora, assim como as bandas de fora tem pra tocar aqui?
JP: Com certeza que tem! Veja ai Claustrofobia, Krisiun, Andralls e tantas outras, são bandas recorrentes em turnês internacionais e com ótimos resultados em todas elas. O brasileiro é casca grossa, mete as caras e faz acontecer e nem reclama das turnês caga-sangue, porque por aqui as dificuldades não mudam tanto das de lá de fora. O que muda é o prestígio, a aceitação e acima de tudo o respeito que o público tem pelo trabalho da banda. E nem vou entrar no mérito dos equipamentos. Mas estamos ai, batalhando para ver se muda um pouco essa realidade, para ver se as pessoas começam a entender que as bandas, os blogueiros, os jornalistas, os fotógrafos fazem o que fazem para eles, para mostrar que o brasileiro tem orgulho e faz a diferença seja com os caras lá fora, seja com os caras aqui de dentro.

HMB: Você acredita ter algum tipo de preconceito com e dentro do underground?
JP: Preconceito com o Underground sempre tem. Até hoje se você vir um Raw Punk andando na rua e olhar em volta, vai ver que tem também 12.687 pessoas apontando o dedo para ele e muito mais da metade julgando o cara por ele ser diferente da multidão. As pessoas do cenário Underground são se aplicam aos produtos de massa produzidos aqui, geralmente são pessoas que buscam sua identidade, sua sonoridade, sua arte e suas verdades, e elas não estão ai fáceis e por isso tem formas de se comportar, formas de se vestir e assim vai, se diferenciam porque não tem interesse no que é regularmente enfiado goela abaixo nas pessoas. Dentro do Underground tem a separação, fulano não se mistura com cicrano, que não gosta de beltrano e que no fundo se comportam como os religiosos de hoje, são tudo farinha do mesmo saco e uns se acham melhores que os outros. Se isso é preconceito? Eu não sei! Mas, que é ridículo, isso é.


HMB: Se você tivesse uma oportunidade de mudar ou melhorar a cena underground, o que você faria?
JP: Se eu pudesse mudava esse conceito de que foi produzido aqui não presta, de que não tem valor comercial. Deveríamos ensinar o valor das coisas para as pessoas desde a infância, porque crescemos achando que se você produz algum tipo de arte, você é vagabundo, você é um coitado, uma pessoa de menor qualidade. Veja o exemplo das bandas do Underground. O cara, paga um ingresso de R$10,00 para beber dentro de um ambiente, claro, pagou porque tem banda e claro que ele não foi lá ver porra de banda nenhuma, foi beber. No fim do show ele aborda qualquer um da banda e fala: Pown! Foda sua banda... Me dá um CD! Dar um CD o caralho! São meses compondo algo, gastando os tubos para gravar e produzir um material descente, por se não for decente, voltar para a realidade do não presta, e vem um Zé qualquer e diz que quer um CD de graça? Porra, um CD na mão da banda custa R$10, R$20, o caboclo gasta 10 para entrar, 100 com cachaça, 200 com drogas e não quer comprar um CD da banda. Vão se foder! Outra coisa que eu mudava é essa realidade podre de chamar bandas para tocar num lugar lá na casa do caralho e não dar nenhum tipo de apoio! Ai, quando você esta lá para tocar de graça e chega ao lugar do “show”, olha para o palco e o que tem lá? Nada, absolutamente nada, um amplizinho xexelento, uma batera enferrujada, cheirando a merda, um microfone de Karaokê e a banda sob lá, e faz o que? Fode com o trampo dela mesma, porque não tem o mínimo de qualidade, E depois, produtor e público saem por ai dizendo que a é banda ruim! Cara! Tem que se valorizar, eu, dentro da minha realidade, chego num pico desses, de boa vontade e não tem nem o mínimo de nada para se fazer um som legal. De boa, eu dou as costas e saio andando, como já fiz várias vezes.

HMB: E sobre a mulher no underground, acredito que a cena se abriu para a mulherada ao longo desses anos não? Você acha que tem preconceito contra nós dentro da cena? Conte-nos sobre sua opinião da mulherada na cena.
JP: Caramba Vanessa, só pergunta dificil (risos). Delicada a questão. Mas é delicada, porque as pessoas insistem em não ver o que está bem ai, na cara de todo mundo. As mulheres já são as donas da coisa toda (risos), enquanto alguns haters ficavam discutindo a importância da morte da bezerra, elas tomaram conta e hoje são, parte fundamental disso tudo. Apesar de parte do cenário da música pesada ser machista, é também covarde para assumir isso. Tenho uns exemplos ótimos para ilustrar isso ai. Você, Vanessa, corre atrás, fez acontecer o Projeto Subterrâneo, poxa, veja ai quantas bandas já passaram pelo projeto, além de que você atua na cena, vai aos shows e tudo mais. Minha amiga Nina Stillo, administradora do Metal Friends, organiza os fests da comunidade, geralmente com bandas autorais tocando. E é arroz de festa (ela vai me matar por isso, kkkkkkkkkkkk), em todos os shows ela está lá, presente, conferindo, interagindo, fazendo parte da cena e ajudando a cena a se fortalecer... Por último, e com essa sou suspeito para falar, Dona Prika Amaral, guitarrista da banda Nervosa. Toquei com ela, somos amigos, fazemos o Acervo Clave juntos, e posso te dizer, tem fibra, tem caráter, tem força de vontade. Tudo que ela está conquistando não é nem um terço do que ela merece, porque ela batalha, tem visão de futuro e sabe aonde quer chegar. E já aviso aos haters de plantão, se você entrar no caminho dela para atrapalhar, cuidado! Ela vai passar por cima de você e te arrastar no vácuo. Olha, são apenas três exemplos, mas confere em sua volta, nos shows ou, seja lá onde for às meninas vivem muito mais o Underground do que muito dito macho por ai. E eu particularmente prefiro!

HMB: Resuma JP em uma palavra ou frase.
JP: Não devemos aclamar vitória sobre o cão maldito, pois a cadela que o pariu está novamente no cio. Bem assim!

HMB: Muito obrigada pelo seu tempo para o seu próprio blog (tive que zuar, risos), deixe aqui uma mensagem para seus leitores.
JP: Provando do próprio veneno eu diria! Eu que agradeço, foi divertido, e prometo que nas próximas entrevistas vou tentar ser mais humano com os entrevistados (risos)... Meu recado é: não deixem essa porra enfraquecer, façam acontecer e valorizem o que vocês têm. Do contrário, podem já ir se acostumando ao tecno-brega.

quarta-feira, 4 de junho de 2014

André Abreu, politizado...


André Abreu, cidadão guarulhense, guitarrista e um cara muito politizado. Fala com propriedade e conhecimento de causa, além de ser um cara com quem podemos falar por horas e horas. Firme nas suas posições e respeitador assíduo da opinião alheia, tivemos essa conversa agradável e você confere a seguir tudo que rolou.

HM Breakdown: Olá André, obrigado pelo seu tempo e por nos dar o privilégio dessa conversa. Agora, nos fale sobre você e suas atividades.
André Abreu: Salve JP e leitores do HM Breakdown, é uma baita satisfação poder trocar essa ideia contigo, e uma honra, tendo em vista que tenho acompanhado e curtido muito os papos aqui. Bom, talvez possa começar falando sobre as coisas que eu faço o que de certo modo reflete com um pouco de precisão (mas nem tudo!) sobre o que somos. As atividades que exerço hoje e que permitem minha vivência possuir um significado, é a música e os estudos. Significado entendido aqui como resultado de práticas que me trazem de volta a mim mesmo. Práticas que não me separam do meu próprio corpo e da minha consciência de si. Sempre estarei numa eterna tentativa, muitas vezes falha (risos) de não privilegiar uma coisa em detrimento da outra. E acho que isso logo de cara já não deu muito certo, porque escrevi musica na frente, mas não tem jeito! (risos)
Além disso, tem o trabalho, que na minha condição operária e histórica pessoal, é o meio que tem me permitido a sobrevivência básica e a possibilidade de realizar estas atividades.

HMB: Sendo direto, porque você se tornou guitarrista?
André: Comecei a tocar guitarra com 14 anos, pouco antes disso já tentava fazer uns acordes de violão, mas meu ouvido sempre foi mais para o lado da guitarra, do som sujo com distorção...  Já à prática, e o vir a ser guitarrista, acho que é uma coisa que ainda está em construção desde aquela época... No começo tocava coisas e tentava imitar a forma de tocar de algumas figuras lendárias do instrumento, que de certo modo admiro e curto muito até hoje, tipo Tony Iommi, Eddie Van Halen, Brian Baker... Só que diferente destes monstros talentosos e dadas minhas condições materiais, nunca pude me dedicar integralmente ao instrumento como gostaria, e talvez eu nem tenha o DNA de guitarrista. Mas sou teimoso pra carai e continuo desafiando a natureza. (risos)

HMB: Você é um cara que respira música 24 horas por dia, quais são as bandas que estão constantemente no seu player?
André: Olha, de uns meses pra cá pra ser sincero não tenho quase escutado nada! Principalmente quando estou na rua, porque eu me fodi e perdi tudo o que tinha no meu HD recentemente, e acabei enjoando da meia dúzia de sons que tem no meu mp3 que sobraram. Então só ouço alguma coisa quando eu paro em casa e fico no computador, aí é inevitável! Algumas bandas que conheci relativamente há pouco tempo andam dando uns rolês dentro da minha cabeça: Melody Monster só o nome ja diz bastante coisa... O Elefante, que é um projeto do vocal do Dead Fish, banda da qual tenho enorme respeito. Tem o Koro, uma banda americana de Hardcore dos anos 80... Skate Aranha, som de doido lá do Piauí... O Gosto do Nojo de Jundiaí, Desacato Civil de SP, Asfixia Social de Diadema, e muitas outras. Além disso, algumas classiqueiras de sempre que me acompanham, Cólera, Plebe Rude, Bad Religion, Dag Nasty, The Ruts, Bad Brains, Cro-mags, Propagandhi, Corrosion of Conformity, Carcass... A lista é grandinha viu.


HMB: E essa diversidade se reflete também quando você toca, fale-nos sobre as bandas em que você já tocou e toca hoje em dia.
André: JP, pra nós que somos operários da música, e insistimos nisso de fazer som autoral, acabamos nos envolvendo organicamente com muitas bandas, e nos apoiamos mutuamente na medida do possível. Meu único critério pra tocar numa banda é a amizade e proximidade com os músicos, obviamente que pra mim o alinhamento ideológico e de classe tem importância determinante, devido a minha orientação ideológica à esquerda, que foi adquirida primeiramente de forma instintiva aos nove anos de idade nas eleições de 89, e de forma mais consciente e militante a partir de 2006 quando ingressei na faculdade de História.
A primeira experiência que tive tocando foi com um grande amigo de infância, o Edu, que foi quem me apresentou ao universo da musica Hardcore, e que morava na minha rua em Guarulhos. Isso devia ser 95 mais ou menos. A gente era uma dupla, ele na batera e eu na guitarra, e fazíamos um som meio metal meio punk só com 2 notas rs, eu tinha acabado de aprender a técnica palm-mute (palhetada abafada) na guitarra. A partir dessa época comecei a colar em vários shows, no Alternative da Penha, no Skina 10 em Guarulhos, Aeroanta em SP, e rolava uns também na escola aonde estudei a partir de 96, o Carlos de Campos no Brás. O pessoal organizava várias festas lá com bandas de Punk Rock, Hardcore e de Rock Alternativo. Após algum tempo resolvi levar mais a sério, e alguns anos depois entrei no Hardtime, uma banda guarulhense também, e ali pude desenvolver mais ou menos a linguagem que tenho hoje no instrumento. Depois de um tempo, e um maior envolvimento na cena, comecei a conhecer mais o pessoal, as bandas, e fui convidado a tocar baixo no Hateen. Em 2004, vivendo um momento de dificuldade e crise, fundei o Voltera, que tinha uma linguagem mais pesada, e a partir daí fiz um pacto com a afinação baixa que dura até hoje. Foi uma das bandas que mais me significou nessa trajetória, principalmente pelo desenvolvimento contínuo de uma autonomia criativa quase que total, com muito pouca influência do que rolava nas cenas Hardcore e alternativa que até então frequentava. Foi meio que um afastamento, mas não chegou a ser uma ruptura radical com os amigos e bandas, mas sim uma proposta musical que ia pra outro lado. Apesar do distanciamento, tenho mantido contato com amigos e bandas da época até hoje!!
A partir daí, em decorrência de compromissos de trabalho e estudo que se intensificaram, passei por uma cacetada de bandas por um tempo mais curto, e as mais significativas foram Quadrado e Filme B. Atualmente componho a linha de frente da banda Ferramenta, um antigo projeto que se tornou concreto pra valer em 2011, e também no Yekun, a banda mais pesada e casca grossa que já toquei até hoje.

HMB: Como você vê o cenário da música pesada no Brasil?
André: Acho que pra entender o cenário brasileiro, seria preciso enxergá-lo como uma reprodução em miniatura da nossa sociedade no geral, com as mesmas contradições, privilégios, conflitos e resistências. Se a gente pudesse pegar um microscópio e ampliar somente esse cenário como uma região, encontraremos muita disputa pelos domínios simbólicos e de espaço. Depois de anos vivenciando e observando as coisas no underground, pelo menos aqui em SP que é o centro orgânico do capitalismo brasileiro, e também muito por eu não ter tido tantas oportunidades de vivenciar essas experiências em outro lugar, não vejo o underground daqui como um lugar tão à parte e "separado" do restante não.
Aliás, São Paulo como sempre está na vanguarda da manutenção a qualquer custo das práticas e da mentalidade individualista, competitiva e violenta dos anos de neoliberalismo. Enxergo muito conservadorismo hegemônico, e pouquíssimos espaços e práticas de resistência e contradiscurso. O cenário underground, apesar de carregar consigo uma essência que naturalmente se opõe a uma lógica de domínio do mercado, acaba muitas vezes reproduzindo essa lógica até de forma mais acentuada, dependendo do lugar.
Quanto às bandas, temos muita qualidade e também muita coisa convencionada a ser considerada "ruim". Ora, e isso faz parte do jogo! Da mesma forma que os ricos existem por conta da riqueza que conseguem na exploração dos pobres todos os dias, as bandas "boas", de sucesso (mesmo no underground), que contam com estrutura de ponta, ótimos equipamentos, investimentos em aulas de música desde cedo, se diferenciam com orgulho do "resto" e entendem isso como mérito próprio. Após a explosão do underground de SP no início dos anos 2000, e por esta contínua reprodução das práticas capitalistas de larga escala na pequena escala, se presenciou a criação de uma casta superior própria, aonde os espaços com boa infra-estrutura, tanto físicos quanto midiáticos, são quase inacessíveis para os de baixo, ou seja, aqueles que em outro momento construíram a base do cenário são excluídos na maior parte do tempo, tanto simbolicamente, pois aquela banda é muito "ruim" pra tocar aqui na minha casa, ou ser divulgada pelo meu site "autoridade no assunto", quanto também é separada economicamente, fato que se traduz no absurdo das bandas ter que vender ingresso no caso de desejar tocar nesses espaços. A sanha por lucro e prestígio tem sido tanta em algumas casas que você não tem nem um acesso mais direto a uma tentativa de diálogo com o proprietário, não há nem a possibilidade de negociação. Isso tem contribuído para dividir cada vez mais o público, que considera o que é bom, ou respeitável, somente se as bandas tocarem nos espaços desse circuito. Mesmo que a qualidade de som, estrutura e respeito oferecida aos freqüentadores, tanto banda como público, seja uma lástima. A contrapartida de uma banda tocar ou aparecer nestes espaços apenas se gerar algum tipo de lucro (econômico ou simbólico) para os proprietários e negociantes do underground, é uma prática real em boa parte do cenário hoje. Não há novidade. Por outro lado, existe a resistência.


HMB: Então, na sua visão existe um conflito de classes nos eventos e no "o que vou assistir hoje", este vindo do público?
André: Não generalizando, mas vejo que uma boa parcela dos que frequentam a "cena" aqui em SP tem uma tendência forte ao elitismo, mesmo estando num ambiente pretensamente underground. É uma relação verticalizada e autoritária que começa pela própria estrutura dos espaços. Quando você vê numa casa de shows pretensamente underground aquelas gaiolas pros fumantes do lado de fora, com o objetivo claro de não misturar aqueles que pagaram o ingresso de quem não pagou e está do lado de fora, é um indício forte dessa segregação (só pra constar, sou totalmente a favor de não fumar dentro dos espaços de shows!). Já dentro da festa, temos aquela subdivisão: bandas de abertura, sendo sempre “inconscientemente sabotadas” nas mesas de som e PAs, para o som não ofuscar a qualidade da “banda principal”. Isso é uma coisa asquerosa do rolê underground. Já estive dos dois lados nisso, e sabemos bem que existe um interesse maior do público pela banda principal, óbvio. Mas acho que essa relação de separação e privilégio cria um vício, e todos que são submetidos a esta lógica acabam entrando na prática. Isso talvez se explique pelo perfil de classe de quem compõe a cena hoje. Até mesmo esta separação que infelizmente se tornou usual, banda principal em cima do palco, acima das bandas de abertura, e estas por sua vez numa posição de pequenos privilégios acima do público, nada mais são do que uma cópia miniaturizada do que se vê no mainstream e no show business... Até mesmo as posturas, gestos, discursos são idênticos!! Chega a ser caricato.
 O que tenho visto desde o começo dos anos 2000 é muita banda e muita gente que cola no rolê sem ter a mínima noção do que é apoio mútuo, solidariedade, amizade, que eram os pressupostos essenciais de sobrevivência no underground, se o considerarmos como uma pratica cultural realmente independente da indústria cultural de massa, e não uma etapa a ser percorrida, transitória, em direção a uma ambição "maior". Os que não detêm o poder nas mãos, podem escolher entre dois caminhos: ou se unem e se reconhecem como classe, ou então serão engolidos sem trégua pela lógica capitalista. De forma geral, as coisas têm acontecido assim.
Ou seja, sendo mais direto, a cena a partir daquele momento ficou ocupada por um pessoal classe média, mais elitizado, com tudo vindo em mãos muito fácil, e com uma capacidade crítica muito débil. A vivência do que é o ser e o fazer da classe operária anda em disputa, e a classe média que geralmente, reproduz esses padrões individualistas. Acho que tem contribuído muito para a desmobilização dos de baixo, e isso inclui o underground.
Ou seja, o referencial mudou, pois não existe mais a capacidade de se reconhecer no outro ao lado, compondo o mesmo ambiente e o mesmo rolê. Mudou muito o perfil da cena, ou seja: se tornou uma região mais competitiva e menos solidária, mais individualista e menos cooperativa, mais divisora e menos somadora, e muito menos amigável. Por essas e outras talvez explique o descontentamento de uma boa parcela do pessoal um pouco mais antigo que frequenta a cena atualmente, tanto de banda como público, se formos considerar essa divisão usual.
Outro dia desses conversei com um grande camarada no metrô, o Ricardo, que tocou bateria comigo num dos projetos embrionários pré-Ferramenta, e compartilhamos o sentimento de não ter mais tanta vontade de sair pra tocar e lidar com esse tipo de situação. E na real, acho que a cena que está "consolidada" por essa mentalidade, naturalmente tende a se esgotar, mas somente se houver práticas que resistam a isso e ofereçam uma perspectiva diferente do que está aí.
 Acho que nunca foi visto tanto elitismo, machismo e racismo na cena como atualmente, mas ao mesmo tempo, a resistência e o boicote a tudo isso tende a aumentar. Eu torço todos os dias para que esse mainstream anão desmorone de vez!!
 Mas pra não ser tão ranzinza e mal humorado, vejo também pontos positivos, como por exemplo, a diminuição considerável da violência nos rolês, isso claro, se compararmos à insanidade que existia no começo dos anos 90. Isso sem dúvida é algo que deve ser levado em conta.

HMB: Você então acredita que essa conscientização das massas deveria ser eleita como prioridade já nos primeiros anos de escola? Investindo muito mais na educação e no livre pensamento dos futuros cidadãos?
André: Sem sombra de dúvida. Infelizmente a educação pública por aqui, principalmente em SP, tem caminhado para o lado extremo oposto, e tem recebido duros golpes desde os anos da ditadura civil-militar, que começou a extrair do currículo escolar disciplinas que potencialmente poderiam estimular o pensamento crítico e uma prática emancipatória por parte dos jovens nas escolas. Disciplinas como geografia, história, filosofia, sociologia, foram retiradas sumariamente do currículo para dar espaço a ensino religioso, educação moral e cívica e outras surrealidades. A partir daí com as posteriores políticas estatais de sucateamento dos serviços públicos para privilegiar e beneficiar a esfera privada. Vieram anos de terror neoliberal patrocinado pelo tucanato paulista. O resultado que temos hoje é essa barbárie que vemos por aí. E nós que sobrevivemos a toda sorte de violência dos anos 90 e das investidas da polícia psicopata que continua a assolar nossas quebradas, ainda temos que ficar ouvindo um monte de viúvas da ditadura querendo intervenção militar... Não sei, as vezes dá vontade de tentar se suicidar igual o Didi mocó fazia. (risos)

HMB: Qual seria então o estopim para a mudança dessa realidade, visto que protestos visando a economia dos vinte centavos se mostraram ineficazes e fez com que o povo se tornasse uma paródia dele mesmo?
André: Vejo que os protestos de junho de 2013 não começaram exatamente ali, e também acho que não se encerraram ainda por completo. O grande acontecimento muitas vezes mascara um pouco os mecanismos que movimentam a realidade. Poderíamos dizer que aquilo foi uma revolução, se pegássemos pra analisar somente aquela foto aérea do 3º ato pelo passe livre, com milhares de pessoas ocupando a consolação indo pra radial leste. Não acho que foi uma revolução propriamente dita, mas sem dúvida foi um momento revolucionário e importantíssimo pra mobilização política popular, que não via nada do tipo desde os movimentos pelas diretas já nos anos 80... Com 5 anos de idade não participei, mas lembro do meu pai dizendo que foi em algumas das manifestações no RJ e aqui em SP. No vale do anhangabaú o povo botou a rede globo pra correr! (risos). Estamos ainda no processo de redemocratização do país desde aquela época, e isso continua em curso!!  Ainda temos resíduos da ditadura, por exemplo, em SP a continuidade da polícia militarizada mais sanguinária do país. Não foi realizada também a democratização dos meios de comunicação (em SP por exemplo, não existe uma mísera radiozinha sequer de som pesado/alternativo nas FMs, canal de televisão aberta então nem se fala!!), entre milhares de outros problemas históricos, acumulação de vasta quilometragem de terras nas mãos de pouquíssimos proprietários, resquícios da mentalidade escravocrata, racismo, machismo... Se o processo democrático continuar a ser consolidado como um processo em disputa e não for ameaçado por grupos extremistas, fanáticos e fascistas, pode ser que tenhamos algum tipo de mudança sim. Acho que a democracia tem que ser popular, e não elitista. Entendo que hoje temos uma democracia elitista, mas o processo está em disputa e aberto! Por enquanto, a meu ver, um pouco longe do ideal para efetivamente transformar as estruturas na direção do empoderamento popular, mas a transformação se dá também no nosso cotidiano, neste exato momento! Esta mesma conversa talvez já seja algo que reproduz esse sentimento e prática de transformação, assim como um coletivo popular estudantil ou de categoria de trabalhadores que se organizou inspirado nas ultimas manifestações. As pessoas, bem ou mal estão se politizando como nunca, discute-se política o tempo todo! Acho que os protestos de junho de 2013 foram uma tremenda lição sobre o que pode unir as classes populares na direção de objetivos concretos e demandas urgentes, e entender que é possível conviver com as diferenças ideológicas internas até alcançar satisfatoriamente estes objetivos.

HMB: Sim, mas apoio da massa, que é o grande “boom” das revoluções, estão todos voltados a Copa do Mundo. Você consegue visualizar uma mudança de comportamento das pessoas logo após o encerramento desse evento, ou acha que o brasileiro não é guerreiro o suficiente para tentar melhorar a sua própria condição?
André: A Copa do Mundo talvez seja um momento único na nossa história. Temos visto as notícias de escandalosos benefícios concedidos pelos governos para a movimentação do capital privado, principalmente às grandes empreiteiras e outros setores específicos que abocanharam uma enorme fatia de recursos, e enquanto isso, muitos despejos e violações de direitos populares têm aumentado. As possibilidades de visibilidade planetária de manifestações que mostrem explicitamente todas as nossas contradições históricas e problemas que temos no país está colocada. E tudo isso ainda em ano de eleição. Acho que seremos testemunhas de muita coisa. Eu particularmente acho que, apesar da legitimidade dos protestos, rola um pouco de ingenuidade em algumas ações mais extremas dos protestantes. Se essas movimentações recebem apoio de gente como Bolsonaro e aliados, é preciso parar pra pensar um pouco. Acho que os problemas que temos incluem sim as questões da Copa, mas acho que ela é quase insignificante se compararmos à roubalheira que os grandes empresários e os ricos promovem no dia-a-dia, sonegando impostos, comprando lideranças políticas e acumulando à rodo riquezas provenientes de recursos públicos para se consolidar cada vez mais. A economia tem submetido a política aos seus desmandos.
Neste período que se aproxima, a correlação de forças será colocada na mesa novamente. Quanto ao questionamento sobre a reação do brasileiro, acho que nós, de forma geral, ainda somos um pouco reféns de todos esses desdobramentos históricos, mas não acredito que somos essa entidade popular "pacífica" como a famosa construção simbólica imposta pelas classes dominantes sugerem. Somos sim um povo que, de uma forma ou de outra, têm se rebelado e demonstrado insatisfação, mas a resposta vem sempre através de massacres impiedosos!! Desde as matanças às resistências da invasão européia, depois dos escravos rebeldes (e não rebeldes também!), passando pelos movimentos de independência populares, de trabalhadores organizados, dos comunistas e esquerdistas, até a juventude periférica principalmente negra. Ou seja, tem se eliminado, fisicamente e ideologicamente, qualquer um que ouse desafiar e propor qualquer mudança, mesmo que modesta na ordem estabelecida. Fatos que continuam a se reproduzir atualmente. O Brasil é um país que tem sido regido pelo ódio e pelo irracionalismo, e acho isso uma merda!


HMB: Música pesada e política andam de mãos dadas? Ou esta seria uma realidade de um determinado nicho dentro de um estilo?
André: Sim, com toda a certeza a música, seja ela pesada ou não, pode estar perfeitamente alinhada à política!! A música é um meio, uma forma do ser humano se comunicar com o outro e se expressar. Não acredito apenas na música como veículo para divulgação ideológica, mas também qualquer outra manifestação de arte. Seja na pintura, no cinema, na literatura, etc.
Acho que na música existem regiões (considero um nicho de música pesada específica como uma região, por exemplo!) que são disputadas politicamente através do universo dos símbolos de forma constante.
É só considerarmos, por exemplo, o que tem acontecido no Hardcore de São Paulo. Vejo hoje a cena reproduzindo tanto a simbologia dos ideais libertários e emancipatórios, que de certo modo tem sido a tradição derivada do movimento punk quando se politizou nos anos 80, assim como também observamos reproduções simbólicas mais “apolíticas”, e muitas vezes claramente viradas à direita, mais conservadoras, e muitas vezes com discursos reacionários! Vejo então um campo de forças e de disputa pelo significado do som Hardcore, pelo menos em SP, que é reproduzido em sua maioria por agentes de origem operária, popular e de frações de classe média proletária suburbana. Há uma disputa no interior destas classes pelo direcionamento de suas representações políticas, e isso se vê acontecer na cena também.
Mas acho que existem alguns estilos específicos que detém certa hegemonia e que quase não há espaço para disputas simbólicas. Acho interessante, por exemplo, o Death Metal, que a grande maioria das bandas desse rolê possui um conteúdo politicamente libertário, e as bandas desse estilo que possuem um discurso mais reacionário ou fascistóide quase não tem espaço (o que particularmente acho ótimo). Se é que existe alguma, provavelmente não ameaça a estabilidade do significado usual do estilo.

HMB: Planos para o futuro?
André: Em breve entraremos em estúdio pra gravar novamente com a Ferramenta e a Yekun, e pretendo também dar continuidade a minha formação, como professor de História.

HMB: Resuma André Abreu em uma frase ou palavra.
André: Isso é bem cabuloso, bem difícil mesmo. Tem um poema da Isabel Allende que pode ajudar "A vida é puro ruído entre dois silêncios abismais: o silêncio antes de nascer, e o silêncio após a morte"

HMB: Obrigado pelo seu tempo e por nos proporcionar este belo bate-papo, deixe aqui uma mensagem para os nossos leitores.
André: JP, você é um grande camarada. E ações como estas que você está fazendo integram mais a cena, e acho que se estamos descontentes com algo, temos de fazer diferente e tentar reproduzir as coisas de acordo com o que acreditamos. Aos leitores, deixo aqui um abraço e um desejo: Se você toca em alguma banda, seja também o público, na medida do possível. Sempre apoie os rolês e as outras bandas da sua cidade, do seu estado, do seu país, do seu continente. Se você não toca em banda, monte uma. Escreva fanzines, publique blogs, faça camisetas e adesivos, ajude a organizar shows. Quem sabe um dia, conseguiremos destruir esses muros que dividem a cena entre “artista” e público e assim talvez possamos construir um underground com mais respeito, justiça e mais divertido e amigável. Espero que tenham curtido o papo, valeu!