No mundo do Heavy Metal, podemos dizer que 90% das
aspirações e dedicações são por puro amor! Em tempos de vida feita de internet
e redes sociais, muitos deixam bem claro sua paixão e dedicação pela música
pesada, outros fazem disso um estilo de vida que corre em paralelo e igualdade
com a, podemos assim dizer, “vida normal!” Com Rafael Noctivago, vocalista da
banda Outlanders, não é diferente, leva a fundo sua paixão pelo Heavy Metal,
paralela à sua paixão acadêmica, e com isso se desdobra no dia a dia, mostrando
dedicação e seriedade em um bate papo muito interessante. Confiram!
Heavy Metal Breakdown: Antes de começarmos, obrigado pelo
seu tempo e por nos dar o privilégio dessa conversa. Agora, fale-nos sobre você
e suas atividades.
HMB: Duas paixões extremas! Como você concilia o seu tempo
trabalhando em vários empregos e com o Outlanders?
Rafael: Conciliar o tempo nunca foi fácil. Os primórdios da banda
ocorreram enquanto eu ainda estava na faculdade e precisava estudar muito. Eu
possuo déficit de atenção, que só foi diagnosticado no final do curso de
Medicina. Durante o tempo sem diagnóstico, eu precisava estudar de seis a oito
vezes a mesma coisa pra entender.
Durante o curso de medicina estudei muito, não apenas para
me formar, mas também para entrar na residência médica (nossa especialização),
que consiste em um vestibular apenas com questões de medicina em geral e uma
prova prática no final. Fiz residência no Hospital do Servidor Publico Estadual
e diversas vezes ficávamos de plantão de até trinta e seis horas seguidas. Já
perdi a conta de quantas vezes fui direto do plantão para shows ou de shows
para plantão. Exausto, mas sempre feliz de estar fazendo o que amo.
Hoje em dia eu não dou mais plantões tão longos, mas mesmo
assim entro às sete horas da manhã aos finais de semana, e assim como antes,
ainda vou direto do trampo pro show ou do show pro trampo (risos).
No meu ponto de vista, só fica cansado e de saco cheio
(tanto do emprego quanto da banda) quem não ama o que faz. Quando você trabalha
ou toca com algo que ama de verdade, deixa de ser obrigação e vira seu
cotidiano. Você acaba se dando bem com as pessoas em ambos os ambientes e tudo
fica tranquilo.
HMB: Mas mesmo assim a conciliação de horários é difícil,
tenho esse problema também, na verdade eu gostaria de um dia com pelo menos 40
horas. Mas voltando, você vem de uma família de médicos ou optou pela medicina
mesmo sem ter exemplos dentro de casa?
Rafael: Um dia de 40 horas seria
sensacional (risos). O único médico em minha família é a esposa de um primo de
minha mãe, com quem nunca tive muito contato. Não optei pela medicina por
nenhum exemplo. Meu pai é engenheiro e minha mãe dentista. Inicialmente eu
queria fazer biologia, no entanto como todos sabemos, no Brasil essa é uma
profissão muito desvalorizada (assim como muitas). Acabei optando por medicina
exatamente pela cadeira de Microbiologia (estudo de bactérias, fungos, vírus e
parasitas). E é o que faço hoje, trabalho com todo tipo de doenças infecciosas,
principalmente H1N1, tuberculose, HIV e hepatites. Porém, em minha
especialidade, também lidamos com picadas de animais peçonhentos, mordeduras de
animais e outros acidentes envolvendo a vida selvagem. No final acabei ficando
em contato com a biologia e descobrindo que amo cuidar do ser humano.
HMB: E porque você
resolveu ser vocalista de Heavy Metal?
Rafael: (Risos)
Então, eu tentei tocar guitarra, baixo e bateria. Meu sonho inicialmente era
ser guitarrista. Um dia me peguei pensando e decidi aprender a cantar, além de
tirar os sons que gostava, queria um controle melhor da voz. Aos poucos fui me
apaixonando pelo canto e decidi criar a minha banda. Acho que 99% dos headbangers
possuem esse sonho de ter a própria banda, então investi pesado nesse sonho.
Inicialmente eu gostava de cantar com voz limpa e bem trabalhada, mas depois
fui me descobrindo nos vocais com drive e guturais e acabei ficando nessa praia mesmo. Hoje não
me vejo sem a banda.
HMB: E como é a dinâmica da banda nas composições e shows,
já que nem sempre você está disponível?
Rafael: A dinâmica da banda não muda muito. Eu sempre adequo
meus horários e me desdobro para conseguir manter todos os compromissos em dia.
Geralmente fazemos de dois a três shows por mês e ensaiamos todos os finais de
semana, aproximadamente duas horas por ensaio. As composições ficam nas mãos do
nosso guitarrista Diego, o cara manja muito e eu não manjo nada (risos). No
momento estamos terminando as composições para nosso novo CD, que tem previsão
de sair na metade de 2015.
HMB: Pode nos falar alguma coisa sobre este futuro
lançamento? Você tem uma demo de 2012 que se chama Kretaceous, quais são as
diferenças entre esses dois lançamentos?
Rafael: Nosso novo álbum promete ser muito mais pesado.
Alteramos algumas coisas nos timbres da guitarra e do baixo. Voltamos a ficar
com apenas um guitarrista e os vocais estão na linha de Max Cavalera e Mile
Petrozza. Em nosso website (www.outlandersband.com.br)
possuímos um teaser, dando aquela amostra grátis para quem estiver curioso
sobre a temática do álbum e os títulos das músicas que terão nele.
HMB: E falando nisso, como é a sua relação com a internet e
com as redes sociais? Você acha que está é uma boa ferramenta para a divulgação
e consequente propagação da sua música?
Rafael: Eu acredito que a internet é apenas mais uma forma
de divulgação de nossa música. Redes sociais acumulam quase 75% dos usuários de
internet e isso não pode ser deixado de lado. No entanto, vale a pena lembrar
que "likes" não significam necessariamente sucesso. A divulgação deve
ocorrer de todas as formas possíveis, enviando material para rádios,
produtoras, rock bares e até mesmo para outras bandas. Uma forma que nós usamos
para divulgar nossa banda na Internet é através da gravação de vídeos, em shows
ou em estúdio, de músicas novas ou antigas da banda, e algumas vezes covers
também. Isso mostra ao público como a banda realmente é, como nos comportamos e
qual o nosso som original (sem efeitos).
HMB: E como tem sido a resposta do público ao Outlanders?
Rafael: Essa é uma pergunta interessante. Inicialmente, o
público apreciava muito a banda e ela era bem conhecida. Após alguns problemas,
principalmente meus, com integrantes de outras bandas mais "famosas"
do underground, e digo famosas entre aspas, pois não as considero famosas,
apenas influentes, se é que me entende. Após esses problemas, diversas casas começaram
a nos boicotar e a influenciar o público a não comparecer nos shows ou, caso comparecessem,
não poderiam agitar, etc. No entanto, apesar de todos esses
"problemas", atualmente o público gosta muito de nossas músicas e
temos levado uma boa galera para as casas de show. Estive duas vezes na
Alemanha, no festival Wacken Open Air (em 2013 e 2014) e em ambas as edições
consegui vender todos os cinquenta CDs que levei para o festival, sempre com um
ótimo retorno do público. Quando tocamos, o público pede autógrafos em CD e até
decidem tirar fotos, isso é algo fantástico. Então, em resumo, posso dizer que
atualmente a Outlanders conquistou seu lugar ao sol.
HMB: E como você vê o cenário da música pesada no Brasil?
Ainda mais depois de sofrer esse "boicote"?
Rafael: Eu vejo o cenário brasileiro como um local muito
promissor. Apesar das casas focarem muito em bandas famosas ou cover (afinal
elas precisam ganhar dinheiro, não as culpo, manter um bar não deve ser nada
fácil). No entanto fico muito decepcionado ao ver como o público é manipulado, digo
isso em relação à cidade de São Paulo, pois é onde vivo. Recentemente, uma das
bandas mais famosas do metal brasileiro (não direi nomes) fez um show e no
mesmo dia outras bandas, de pessoas "influentes", fizeram outro show.
A banda conhecida teve um público muito baixo e as bandas
"influentes" tiveram mais de três vezes o número de pagantes. Acho
que o público passou a ser de "amigos" das bandas ao invés de pessoas
que apreciam de verdade as composições. Quando eu tinha 17 anos de idade,
lembro-me bem dos shows na Led Slay, bandas próprias tinham espaço, hoje em dia
você tem que ficar insistindo para chamar público, convidando pessoalmente as
pessoas, e no final, somente familiares e amigos acabam indo ao seu show. Nossa
banda deixou de convidar as pessoas para shows há aproximadamente oito meses.
Consideramos que devemos ser apreciados por nosso trabalho e não pelos
"contatos" que temos ou por sermos populares e termos muitos
"amigos". Quem quiser assistir nosso show está sempre convidado e quem
não quiser, está convidado também (risos). Se tocarmos para uma pessoa ou um
milhão não fará diferença, faremos nosso som com paixão e dedicação.
HMB: E você acha que com um trabalho focado e determinado é
possível mudar essa realidade e trazer mais público aos shows autorais?
Rafael: Com toda certeza. Assim como para todos os
problemas, o trabalho duro é essencial para chegarmos à solução. Devemos
observar quais são os pontos negativos e quais os principais pilares que levam
ao nosso problema. Quando pudermos identificar o que afasta o público dos
shows, será simples resolvermos.
HMB: Quais são os temas preferidos nas letras da Outlanders?
Rafael: No primeiro CD a temática foi bem diversa e
divertida também, falamos de piratas e dinossauros (risos), além de vickings e
anjos caídos. No segundo CD a coisa ficará mais séria, abordaremos temas como
fanatismo religioso, problemas políticos e a culpa da sociedade em seus
próprios problemas.
HMB: E você acha que a sociedade brasileira está pronta para
enxergar seus próprios erros?
Rafael: Cara, aí você tocou num ponto delicado. Na minha
opinião, a sociedade não está nem perto de ser capaz de enxergar os próprios
erros. Digo isso com o olhar de quem já foi e ficou em vários países. Minha
família descende de europeus, italianos e portugueses por parte de mãe e
espanhóis por parte de pai. Tenho família na Espanha e frequentemente os
visito. Digo a você que a nossa sociedade ainda tem muito a aprender. Necessitamos
aprender sobre o respeito mútuo, independente de quem a pessoa é ou do que ela
tem ou faz. A individualidade e as particularidades de cada pessoa não são
respeitadas no Brasil. E eu já passei por isso. Por não viver necessariamente
na periferia e por ter faculdade e etc, já fui diversas vezes taxado de
"playboy" e arrogante. Quem me conhece sabe como sou e não vou me
alongar, pois esse não é o intuito da pergunta. Resumindo, a nossa sociedade
precisa rever seus valores, rever o que realmente quer para o futuro e acima de
tudo aprender a respeitar e compreender o próximo.
HMB: Persistindo no assunto. Você acredita que a falta de
valores morais ou de desrespeito com o próximo sejam um reflexo da educação de
péssima qualidade a que somos submetidos?
Rafael: Não tenha dúvida, meu caro. A educação é a base de
uma sociedade. Sem ela voltamos a ser primatas e acabaremos nos matando por comida
e fêmeas. Espera um pouco, já estamos fazendo isso né? No dia em que os seguidores
de todas as religiões aprenderem a respeitar e compreender a outra religião, os
sem religião aprenderem a compreender e respeitar os religiosos e aqueles que
se julgam "anti deuses" (porque se existe um anti cristo, deve
existir um anti buda e etc, certo?) (risos) aprenderem a respeitar que acredita
em deuses, aí estaremos prontos para começar nossa sociedade. Fora o fato do
headbanger não respeitar funkeiro, sertanejo, sambista e os mesmos também não
respeitarem o headbanger. Ninguém é igual, e só com educação aprenderemos a
conviver em paz e um dia quem sabe seremos um país de primeiro mundo.
Tenho certeza que algum ufanista vai começar a reclamar
dessa parte, mesmo sem um argumento com embasamento.
HMB: E você não acredita que exista vida inteligente fora do
nosso planeta?
Rafael: Com certeza. Acho até que é um pouco de prepotência
e ignorância acreditar que não haja vida fora de nosso planeta. Já temos
diversas provas científicas de que a vida pode se desenvolver em condições
extremas (organismos chamados extremófilos). Inclusive, se não me engano, no
último mês saiu um artigo sobre a presença de microrganismos na superfície
externa da Estação Espacial Internacional.
HMB: Você acha que o cenário da música pesada no Brasil
poderia ser mais unido?
Rafael: Com certeza. Lembre-se que união não é puxar saco de
outras bandas e nem apoiar a banda apenas porque é de seu amigo. União é quando
você fala quais os prós e contras da banda. É quando os shows não são
manipulados e as bandas não ficam de intriguinha entre elas, muitas vezes por
inveja.
HMB: Planos para o futuro?
Rafael: Penso em expandir meus horizontes como médico e como
músico. Como médico, as coisas estão indo muito bem e agora tenho equipes sob
minha supervisão em dois hospitais particulares. Pretendo em breve conseguir
mais hospitais para prestar serviços em minha área. Com relação à banda,
pretendemos fazer uma tour pelo país assim que sair nosso Full Lenght, e em
breve para fora do país se tudo der certo. A longo prazo, pretendo me mudar do
país e viver na Europa, com minha família, e possivelmente ter filhos e
criá-los por lá.
HMB: Resuma Rafael Noctivago em uma frase ou palavra.
Rafael: Perseverança.
HMB: Obrigado pelo seu tempo e por nos proporcionar este
belo bate papo, deixe aqui uma mensagem para os nossos leitores.
Rafael: Quero agradecer a chance de falar aqui com você e
com todos os seus leitores, seria muito bom se tivesse outra oportunidade. Um recado
que eu deixaria: “tudo que desejar pode se tornar realidade se tiver
perseverança e força de vontade”. É como diz o velho ditado, “a força de um
guerreiro não é medida por sua capacidade de derrotar e sim por sua capacidade
de resistir”. Um abraço a
todos e "Save Your Beer...The Outlanders Are Here".
Nenhum comentário:
Postar um comentário