Tiago Alano, vocalista da banda Spleenful, banda ascendente
do cenário da música pesada brasileira. Tivemos um bate papo com Tiago e ele se
mostrou uma pessoa muito inteligente, que sabe se expressar e mais ainda,
atuante no cenário das mais diversas atividades. Confira essa bate papo muito
produtivo e tire suas próprias conclusões.
HM Breakdown: Antes de começarmos, obrigado pelo seu tempo e
por nos dar o privilégio dessa conversa. Agora, fale-nos sobre você e suas
atividades.
Tiago Alano: Olá pessoal, eu que agradeço pela oportunidade!
Sou o cara que nasceu já dentro do meio do Rock e do Metal,
fuçando na coleção de discos do pai que tinha coisas como Queen, Kiss, AC/DC,
Van Halen e vários outros clássicos. Por volta dos 17 anos, comecei a estudar
música com um pianista erudito chamado Artur Cimirro, estudei composição, canto
e um básico de piano. Formei a banda Spleenful em 2012 como uma forma de
expressão artística definitiva de tudo que me influenciava, tanto musicalmente
quanto em outras áreas, como literatura, cinema, etc. Também apresento um
programa chamado All That Metal na Rádio Putzgrila, onde estou sempre
entrevistando outras bandas, além de trabalhar como publicitário e fotógrafo de
moda pra pagar as contas.
HMB: Você concorda que numa família onde a música faz parte
do dia a dia, a possibilidade de alguns deles se tornarem profissionais é maior
do que em outras famílias? O que você acha necessário para que o aprendizado
musical seja mais abrangente para as pessoas que não têm essa ligação?
Tiago: Depende muito da família, eu acho. No meu caso,
demorou um pouco para os meus pais entenderem que eu realmente queria levar
isso a sério, tanto que eu mesmo pagava minhas aulas de música com meu
dinheiro. Hoje em dia é diferente, acho que se conformaram com essa ideia
(risos). Eu tenho uma filha de quatro anos que já tem uma bateria de brinquedo
e fala que vai entrar pra minha banda, ela adora Metallica e Rammstein. Quero
dar muito incentivo para ela estudar música no futuro.
Sendo assim, eu acho que de uma forma geral a família pode
ajudar muito sim, vide diversas famílias onde o aprendizado vai passando de
geração para geração. Mas já vi casos também onde o herdeiro sente-se
intimidado pelo que seus antepassados já fizeram. Acho que no final das contas,
o que vale é o empenho de cada um e o desejo verdadeiro de fazer música,
independente do suporte familiar ou não.
HMB: E o que te levou ao Heavy Metal?
Tiago: Acho que no meu caso foi uma série de coisas
que me levaram a isso mesmo. Passei minha infância imerso em jogos de RPG e filmes
de horror, ao contrário das outras crianças que só queriam saber de futebol e
coisas do gênero. Pra piorar,estudei por anos em colégio católico, achava uma
grande merda tudo isso, então esse tipo de revolta explode quando você chega na
adolescência, e aí que entrou o Heavy Metal. Hoje em dia eu vejo que era minha
válvula de escape que virou estilo de vida. Talvez o fato de crescer em uma
cidade muito fria e no meio do nada também tenha influência na música doentia
que eu faço hoje em dia (risos).
HMB: E você leva essas experiências para suas músicas?
Tiago: Com certeza! E não somente essas experiências
especificamente, mas também qualquer outra, ainda mais levando em conta que o
Metal é por si próprio um gênero musical carregado de emoções. Quando estou compondo
não é apenas meu gosto musical que fala através das ideias, mas também as
experiências de vida, os livros que eu li, meus filmes favoritos e qualquer
outra forma de manifestação artística que eu tenha apreciado.
HMB: No Spleenful você divide os vocais com Patrícia Baggio,
essa sempre foi a intenção da banda?
Tiago: Ótima pergunta! Nós temos nosso período
jurássico que quase ninguém sabe a respeito (risos). Pra começo de assunto, lá
no início, a ideia da banda era muito diferente, o plano era fazer um som mais
próximo do Black Metal, mas com muito experimentalismo. E quando digo muito
experimentalismo, era muito mesmo! Sempre teve a ideia de ter vocais femininos,
mas não seria em todas as músicas, tanto que nossa primeira opção era uma
tecladista que também sabia cantar. As coisas foram tomando forma por acaso, e
ali no segundo semestre de 2012, a Bianca, nossa ex-vocalista, me encontrou
através de um anúncio. Pedi pra ela gravar a "Absinthe Love Affairs"
e fiquei impressionado com o resultado, seria injusto eu não aproveitar em
todas as músicas o talento dela. No final das contas, acabou virando uma marca
registrada da banda. Em abril, a Patrícia Baggio acabou tornando-se nossa nova
vocalista e ela tem um estilo bem mais agressivo, além de um timbre mais agudo.
Nossas músicas novas são bem mais pesadas do que as do primeiro EP, então tudo
se encaixou de uma maneira excelente com a Patrícia. Com sorte as pessoas
deixarão de nos comparar com o Epica, detesto esse tipo de comparação e mais
ainda pelo fato de não ser fã dessa banda (risos).
HMB: Você acha que essa migração do Black Metal mais Avant
Garde para um Gothic Metal, severamente mais pesado foi pela junção das
influências de todos os membros na banda?
Tiago: Na verdade, isso foi outra coisa que aconteceu
meio por acaso. Voltando lá bem no início, a minha ideia era apenas um projeto
de estúdio, onde convidei amigos meus de cidades diferentes. Até o nome da
banda era diferente, era Spleenful 69, e curiosamente o Victor Rodrigues deveria
ser nosso baterista, o que realmente aconteceu um tempo depois. Quem ia gravar
e tocar guitarra era o Bruno Añaña, que tem uma ótima banda chamada Postmortem,
e recentemente gravou com a M26, é amigo meu de longa data. Tenho certeza que
teria sido tudo muito diferente se tivesse acontecido desse jeito. Ali pelo
começo de 2012 eu conheci o Lucas Cabral e os outros músicos do
"Bittersweet" apareceram ao longo dos meses seguintes, mas desde
então sempre foi eu e ele que escrevemos todas as músicas e eu ficava com as
letras. Inclusive, a temática lírica mesmo mudou um pouco, antes tínhamos
algumas músicas até mesmo sobre niilismo e ateísmo. Isso mudou logo que
começamos a gravar o "Bittersweet", nós tínhamos um baixista que se
converteu evangélico e estava incomodado com algumas letras, eu mudei várias
coisas, mas no final das contas ele acabou saindo mesmo e não toca mais Metal
(risos). Não tive problemas em mudar o conteúdo das letras por dois motivos: eu
já acho chato para caralho as pessoas esfregando na cara dos outros suas
ideologias pelas redes sociais, não queria minha banda sendo uma extensão
disso; deixamos o foco voltado para contos de horror e poetas do período
Romântico, o que deu muito mais conteúdo para nosso material. Ali pelo meio da
gravação do EP percebemos que acabou sendo um mero acaso do destino as músicas
chegarem a tal sonoridade e temática das letras, sendo que haviam músicas bem
diferentes que foram cogitadas a entrar no lançamento, mas foram deixadas de
lado. Relembrando tudo isso agora, realmente fico me perguntando que rumo a
banda poderia ter tomado se as ideias originais fossem mantidas.
HMB: Vocês seriam uma banda de Black Metal (risos)!!! Hoje,
então, você acha que ideologias e posturas radicais acabam limitando a
criatividade lírica?
Tiago: Não apenas lírica, mas principalmente musical!
Ainda mais aqui no Brasil, onde parece existir uma lista de regras que se você
fugir estará traindo a cena ou algo assim. O cara que é músico não pode ter
preconceitos com qualquer forma de arte, eu mesmo depois que descobri a música
erudita contemporânea, como Stockhausen e Finnissy, cheguei à conclusão de que
não existe absolutamente nada de bizarro no Metal. Gosto de escutar de tudo um
pouco. Erudido, trip hop, blues, música eletrônica, jazz, synthpop. Se eu gosto
não me importa o rótulo! Por exemplo, curto muito o trabalho de uma artista da
Alemanha chamada Grausame Töchter, que na verdade é um transex que faz música
eletrônica com uma vibe sado-masoquista. A música dela é incrivelmente doentia,
de uma maneira que nunca escutei antes, fiquei fascinado pelo trabalho a ponto
de me obrigar a fazer algo com aquele feeling, mas com as características da
minha banda! Em suma, quando falamos de construção lírica e/ou musical, todo
mundo deveria olhar para o gramado do vizinho e tentar aprender algo com isso
ao invés de ficar julgando.
HMB: Como se já não nos bastassem nossos próprios limites.
Bem, indo de encontro ao que você disse, você acha que o Headbanger, músico ou
não, é mais fechado para experimentalismos ou para absorver culturas
diferentes?
Tiago: Eu prefiro olhar as coisas de uma maneira
otimista e pensar no que melhorou ao longo dos últimos anos. O Heavy Metal
nasceu para ser contracultura, é sobre quebrar regras e dar um tapa na cara da
sociedade. Mas o tempo nos deixou chatos, previsíveis e dogmáticos. Por sorte,
temos muita gente determinada a quebrar certos paradigmas. Acho bacana quando
uma banda consegue recriar sonoridades mais clássicas com bom senso e
criatividade, assim como também é ótimo ver um pessoal que sabe mesclar estilos
para criar algo inovador. Se dependesse de mim, deveríamos quebrar todos os
preconceitos e regras. E isso inclui a questão cultural também, pois não cabe
na minha cabeça pensar que ainda existem caras que julgam bandas por terem
mulheres na formação, ou homofóbicos e racistas dentro da cena. Esses tempos,
eu estava assistindo um vídeo de um show do Orphaned Land, é sensacional como
eles conseguem unir judeus e islâmicos com o mesmo propósito de simplesmente
curtir a música, esse é o espírito da coisa!
HMB: Qual a sua visão do cenário Heavy Metal Brasileiro, de
uma forma geral?
Tiago: Eu acredito que o principal nós temos, ou seja,
bandas de alta qualidade que vem fazendo um som que não deve em nada para as
bandas gringas. De um modo geral, a cena brasileira profissionalizou-se muito
em vários aspectos ao longo da última década, os registros em estúdio tem uma
qualidade melhor, o acesso à música é mais fácil, dentre outras coisas que
também melhoraram. Mas ainda assim temos um longo caminho pela frente para
fazer a cena crescer ainda mais, pois é uma constante batalha pelo seu espaço.
Acho que algumas bandas acabam confundindo-se em relação a isso e adotam uma
postura antiética de tentar passar por cima dos outros pra se dar bem, mas
geralmente esse tipo de gente não vai muito longe. Pra ser sincero, o que mais
me preocupa mesmo hoje em dia são as condições que o músico precisa sujeitar-se
para tocar aqui no Brasil. A maioria dos lugares tem uma péssima estrutura e a
qualidade do som compromete o trabalho árduo que você teve em fazer um som de
qualidade. Pra piorar, os donos dos estabelecimentos não abrem muito espaço
para bandas autorais e, nas raras vezes que fazem isso, a banda acaba sendo
explorada, sabe aquela velha história da oportunidade de mostrar o trabalho,
né? Então fica muito difícil o músico brasileiro que toca Heavy Metal viver
disso, mas eu ainda levo fé que um dia mudaremos isso.
HMB: A união e o respeito entre as bandas seria um começo? Melhor,
parar de alimentar aquela mentalidade ridícula que muitos insistem em nutris
desde a década de 1980, de que qualquer outra banda é concorrente e não
parceiro?
Tiago: Com certeza! A própria história do gênero
musical está aí para provar isso. Pode pensar em qualquer cena que se tornou
reconhecida e fez história. NWOBHM, Thrash Metal da Bay Area, Death Metal de Gotemburgo,
a cena mineira, em todos os casos eram bandas com um objetivo em comum, que
apoiavam umas às outras e cresceram juntas. É claro que no Brasil é complicado
pensar nisso de uma maneira geral por ser um país muito grande e a própria
realidade de uma região para outra muda muito. Por mais que a sua banda tenha
um som distinto, sempre vão te relacionar a outras, especialmente da sua cena
local. Particularmente, gosto da maioria das bandas relacionadas ao Spleenful e
é um grande prazer apoiar todas elas.
HMB: O que você pode nos dizer sobre o seu projeto
"Sarau Noturno"?
Tiago: Sarau Noturno foi idealizado por uma
historiadora chamada Clarisse Ismério, e eu participei quando estava na
faculdade em Bagé, lá pelos idos de 2008/2009. O cemitério da cidade possui um
patrimônio histórico muito rico, foram desenvolvidas pesquisas sobre isso e
assim o evento foi criado para apresentar isso na forma de um evento que
envolvia teatro e música. Meu papel era representar o poeta Lord Byron, era um
evento cultural muito rico, onde as pessoas caminhavam pelo cemitério à noite,
encontrando todos esses personagens e tudo terminava com uma procissão,
enquanto um violinista tocava "Lacrimosa" do Mozart. Pra mim, foi um
marco ter participado disso tudo, tanto que eu não nego que a própria música do
Spleenful acabou sendo influenciada. Durante a gravação do
"Bittersweet" decidimos que o trabalho precisava de uma introdução,
daí o Lucas Cabral trouxe uma música que havia escrito para um álbum solo dele.
Assim nasceu a "Beneath The Wandering Wave", aquela introdução do EP
onde você pode me ouvir declamando um trecho de "The Giaour", um
poema épico do Byron. Apesar de ser uma faixa de menor importância dentro do
trabalho, por ser uma intro, tem um grande valor para mim por representar uma
conexão entre os dois trabalhos artísticos de maior relevância artística que já
participei. O nosso próximo single, "Winter Solstice Dream", também
tem algumas referências à arte cemiterial. Acho que vou aproveitar pra mandar
um recado também: Clarisse, se estiver lendo isso, fique sabendo que se
acontecer outro Sarau Noturno um dia, chame a minha banda para tocar em frente
ao cemitério, seria épico (risos)!
HMB: O que você pode nos adiantar deste próximo single e de
um futuro CD?
Tiago: O próximo single chama-se "Winter Solstice
Dream" e no momento estamos finalizando as gravações dele. Tenho certeza
que assim que for lançado, as pessoas vão achar que a banda ficou mais pesada,
o que não é necessariamente verdade, pois trata-se apenas de uma música
diferente, assim como cada uma no "Bittersweet" tem suas próprias
características. Sempre tivemos em mente nunca repetir a nós mesmos e buscar
uma evolução constante de nossa música. Ela vai fazer parte de um EP que
lançaremos ainda esse ano, que ainda tem outras duas inéditas,
"Noir", que é mais sombria e melódica, e "Of Ravens And Madness", que
segue uma levada semelhante a "Burleske Liebesträum, com variações do
clima e uns elementos de Prog. Todas elas vão fazer parte do álbum que
pretendemos lançar no ano que vem. É cedo para falar da obra como um todo, mas
eu posso garantir que vai ficar bem claro que a banda possui muitas
influências, e apesar de ter algumas características básicas que definem nossa
música, podemos partir para qualquer outra coisa, pois é uma banda livre de
rótulos. Quanto a temática lírica das novas músicas, mais uma vez mantemos
temas macabros, poesia maldita, contos de horror e outras coisas saudáveis.
Talvez a diferença é que as letras estão mais abertas para interpretações, pois
no "Bittersweet" todas tinham uma história bem linear. Ainda vamos
fazer isso, na verdade, a própria "Of Ravens And Madness" é sobre a
misteriosa morte do Edgar Allan Poe. Mas cada pessoa que pegar a letra de
"Winter Solstice Dream", por exemplo, pode dar sua própria interpretação
pessoal para ela, além de ela conter diversas referências a Thelema, Tarot,
ritos pagãos e outras coisas do gênero. Como a Patricia diz, é a nossa música
mais "mística"(risos).
HMB: Planos para o futuro?
Tiago: Finalizar as músicas novas do Spleenful, lançar
um EP ainda esse ano e um álbum no próximo ano, tocar no maior número de
lugares possíveis, ficar rico, tocar no Wacken, abrir uma cervejaria para
consumo próprio, conquistar o mundo e começar uma tirania spleenfuliana com
base na boemia e na libertinagem.
HMB: Resuma Tiago Alano em uma frase ou palavra.
Tiago: A célebre citação do Nietzsche, que me
perseguiu a vida inteira: "Sem a música, a vida seria um erro".
HMB: Obrigado pelo seu tempo e por nos proporcionar este
belo bate-papo, deixe aqui uma mensagem para os nossos leitores.
Tiago: Queria agradecer novamente pelo espaço, curti
muito responder essa entrevista! Apoiem seus artistas e bandas locais, pois é a
sua participação nisso tudo que faz com que as coisas continuem acontecendo. É
para vocês que nós fazemos música e a maior motivação é sempre o retorno do
público. Hell yeah!
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