Qualquer um que goste, um pouquinho que seja, de Heavy Metal sabe, que o Stress, banda
oriunda de Belém, no Pará, foi quem gravou o primeiro disco de Heavy Metal
deste País, ponto final! Não! Ponto final nada! A banda ainda existe está ativa
e leva a bandeira do Heavy Metal em seus shows, discos e acima de tudo, no seu
estilo de vida. Conversamos com Roosvelt Bala, baixista e vocalista deste "nosso" verdadeiro patrimônio metálico que trouxe a luz alguns aspectos do passado, do
presente e do futuro do Stress. Confira a seguir.
Heavy Metal Breakdown: Antes de começarmos, obrigado pelo
seu tempo e por nos dar o privilégio dessa conversa. Agora, fale-nos sobre você
e suas atividades.
Roosvelt Bala: Desde cedo eu já era aficionado por música,
segurava a vassoure e batia cabeça, aos 3 anos de idade, ouvindo Brazilian
Beatles na rádio...
Comecei a comprar vinis aos 9 anos, os primeiros foram
Johnny Rivers ao vivo e Creedence - Cosmos Factory. Ganhei um gravador
Panasonic do meu Pai, aos 10 anos, com o qual gravava músicas da abertura da TV
e do Rádio. Reunia os coleguinhas pra ouvir som á noite na frente de casa. Meu
gosto era bem apurado, tendendo para o rock mais agitado.
Aos 15 anos entrei para o Stress, convidado por um colega de
escola, que me ouviu cantarolando Led Zeppelin, no canto da sala de aula,
sozinho.
Isso era 1976. De lá pra cá minha ligação com o rock ficou
séria. Me formei em eletrônica, mais tarde em Processamento de dados...entrei
concursado na Petrobras, onde trabalhei por três anos. De 75 a 82 o Stress se
tornou uma banda conhecida em Belém, lotando teatros e grandes ginásios. Depois
do lançamento do nosso primeiro LP nos tornamos conhecidos em outros estados,
através de fitas K-7 e matérias em fanzines xerocados. Éramos a primeira banda
a lançar um LP de Metal no Brasil. Mas, só saberíamos disso um ano depois, em
83, depois de nos apresentarmos no Circo Voador, no Rio de Janeiro. Em 85 larguei
a Petrobras e fui morar no Rio de Janeiro. Logo depois do Rock in Rio I
gravamos o Flor Atômica. Ficamos conhecidos nacionalmente. O Brasil tinha enfim
seu primeiro representante oficial no Heavy metal anunciado por todas as revistas
especializadas em música, fanzines e etc.
HMB: Lembro-me que no primeiro disco do Stress, havia o
logotipo da Pepsi-Cola na contra capa, mas eu nunca mais vi uma cópia com esse
logotipo, foi uma parceria para a primeira prensagem?
Bala: Aquela era a tiragem original, de 1000 cópias, é
raríssima.
Os custos daquele LP foram altos. Viagem para o Rio,
estadia, alimentação, estúdio,
prensagem. Gastamos tudo o que tínhamos mais ainda faltavam às capas. Apelamos
para a Pepsi-Cola para que eles fizessem as capas. Por conta desse custo -
mínimo em relação ao total -, tivemos de colocar aquela logomarca enorme na
contracapa do LP. A tiragem original foi de 1000 cópias, em 1982. A outra
tiragem só veio acontecer em 2001, pela Dies Irae, com 1000 CDs e 500 LPs, já
com a logo deste selo. Continua sendo uma raridade.
HMB: O que você se lembra dessa gravação, dificuldades
técnicas, já que o Heavy Metal era uma novidade por aqui?
Bala: Era infinitamente mais difícil se gravar um disco
naquela época, os custos eram altíssimos, equivalente ao de um apartamento de
dois quartos. Não havia mais o que fazer em Belém, já tínhamos tocado nos
melhores e mais conceituados teatros e ginásios da cidade, era preciso seguir à
diante. Através de um amigo (o Profeta), contatamos o estúdio Sonoviso, no
Rio, que nos garantiu que saberia gravar o nosso rock, já tinham feito isso
várias vezes e dispunham de todo equipamento necessário para a gravação.
Juntamos dinheiro com shows, vendemos objetos, pedimos pros pais e pegamos um
ônibus pra enfrentar três dias de estrada até o Rio. Ficamos numa modesta
pensão no Catete, dividindo beliches num único quarto. Quando chegamos ao
estúdio nos foi oferecida uma bateria toda fodida, quebrada e desmontada,
jogada num canto de uma saleta. Usamos barbantes e fita adesiva pra deixa-la
armada. Recebemos a informação de que todo o equipamento prometido (bateria, efeitos,
pedais, instrumentos) deveria ser alugado. Finalmente começamos a gravar,
tínhamos de ser rápidos e a grana estava curta e a hora de estúdio era uma
facada. Começamos a perceber que os caras não manjavam porra nenhuma de
gravação de rock pesado. Chegaram ao cúmulo de propor que tocássemos sem
distorção, que eles dariam um jeito de colocá-la na mixagem. Tratamos de fazer
nossa parte, tocamos como se estivéssemos num show, com toda fúria e crueldade
que as músicas pediam, afinal, naquele momento estávamos registrando anos de
trabalho e defendendo nossas ideias e pontos de vista não só sobre a música em
si, mas, sobre o cenário social injusto para a maioria das pessoas.
Gravamos tudo em 16 horas, foi meio “nas coxas”, mesmo, não
tínhamos mais grana pra pagar outras horas de estúdio e ainda teria a mixagem.
Quando tudo terminou tivemos a certeza de que os caras não estavam preparados
pra gravar rock pesado. Ficamos extremamente decepcionados com o resultado,
esperávamos algo compatível com o que estávamos acostumados a ouvir. Não havia
mais nada a fazer, não tínhamos mais recurso pra refazer qualquer coisa, nem
pra pagar as horas extras de mixagem. Acabamos saindo sem pagar às duas horas
de mixagem, putos com o resultado.
Relutamos muito em prosseguir com a produção desse disco,
tamanho nosso desapontamento. Resolvemos, então, fazer uma tiragem mínima de
1000 cópias, só pra termos um registro oficial das músicas e não jogar fora a
grana já investida. Juntamos mais dinheiro e fizemos a prensagem. A Pepsi-Cola,
patrocinou as capas. Depois de toda essa odisseia, finalmente lançamos o álbum,
sem saber que seria uma obra histórica. O tempo nos mostrou que foi a atitude
correta, se não, outra banda começaria o metal no Brasil.
HMB: Fazendo um comparativo com o seu começo, como você hoje
vê os estúdios, as gravações e as finalizações do CD?
Bala: Hoje é extremamente mais fácil gravar, mixar, masterizar
e prensar CDs - tanto tecnologicamente falando, como em relação aos custos. Os
Home Studios estão por toda a parte, qualquer pessoa bem informada pode operar
o equipamento. Os instrumentos importados estão com preços acessíveis e
disponíveis no mercado nacional. Tecnicamente, o nível dos músicos e dos
vocalistas melhorou, assim como o conhecimento dos técnicos de gravação e
produtores musicais. Estamos quase pau a pau com os gringos, aquela enorme
diferença de nível que havia no passado caiu por terra.
HMB: Qual é a sua visão do cenário da música pesada
brasileira?
Bala: Temos excelentes bandas, músicos e cantores de ponta. Entretanto,
o cenário está muito fragmentado. As dezenas de subdivisões do metal
(Thrash/Black/White/Speed/Doom/Gothic/New/Indie) acarretaram um "racha"
gigantesco no movimento. Antigamente (70/80's) todos iam aos shows, não importava
o estilo, bastava ser rock/metal. Agora, cada estilo tem seu público
específico, que normalmente odeia os demais estilos.
Outro agravante, a nova geração de "Rockers" é
muito acomodada - sentam a bunda ao PC/Tablet/Celuilar, pra criticar e promover
desunião -, só se mobiliza pra ir aos grandes shows internacionais,
comportamento bem diferente dos Old School, que prestigiavam as bandas
nacionais, éramos quase que uma Irmandade Metálica. Nossa geração já fez a sua
parte (ainda faz), não temos mais condições de ir a campo pra lutar pelo nosso Metal brasileiro, pegar estrada como antes. Espero que a nova geração não
detone tudo que plantamos, com muita batalha e com muita paixão.
HMB: Como você vê os que se valem do anonimato da Internet
para o mal, geralmente depreciando o trabalho ou a arte de alguém pura e
simplesmente porque pode jamais vai ser descoberto? E como você vê as leis que
regem a internet e que são passíveis de interpretações errôneas?
Bala: Acho uma grande covardia esse tipo de atitude. Principalmente
porque os indivíduos não tem coragem de falar cara a cara, se valem, inclusive,
de perfis fakes para detonarem suas frustrações. Eu já estou calejado, sei
muito bem como lidar com essa situação, o melhor é desprezar, bloquear, excluir
do seu ciclo de contatos, assim eles sofrem sozinhos. Meus amigos não lhes
darão ouvidos, pois, quem me conhece sabe do meu caráter e minha conduta. Se
não gostar do meu trabalho, eu compreendo, pois, eu também não gosto de tudo. O
que eu exijo é que haja respeito, sempre.
As leis que tratam desse assunto, ainda são muito
desembasadas! Não é um universo fácil de lidar, tudo pode ser real e não
palpável ao mesmo tempo. É preciso que se cuide melhor dessa questão, tornar
crime alguns atos cotidianos na net, fazer os infratores pagarem penas, pois,
daqui pra frente só tende a ficar mais problemático ainda.
HMB: Como foi ser open act para o Iron Maiden?
Bala: Começamos com o Stress antes do Iron, em 1975.
Conhecemos seu som somente em 80, ficamos fãs na hora. Ao longo dos anos o Iron
Maiden tornou-se uma das três bandas top do Metal mundial, até se tornar a
maior da história. Em nossas festas (rockadas) e nossos toca-fitas não faltavam
o som pauleira do Iron. Era inimaginável, nos nossos tempos de garoto, que um
dia pudéssemos assistir a um show deles no Brasil. Ver nossos ídolos na nossa
própria cidade, sem tradição nenhuma de grandes shows internacionais, e ainda
por cima poder tocar no mesmo palco que eles (nossas próprias músicas),
interagir, tirar fotos, ser aplaudidos e elogiados por eles. Isso foi surreal! Um
sonho para qualquer mortal, amante do Heavy Metal. Desse show saiu o DVD
"Stress abre a Donzela" (2012), uma das melhores performances de
nossa carreira.
HMB: E como está sendo a receptividade deste DVD?
Bala: Esse DVD (Stress abre a Donzela) é mais que um simples
produto do Stress, é o registro histórico de um dia inesquecível, para todos
nós paraenses. As imagens foram doações de Headbangers da plateia, que somadas
à nossa - de uma única câmera no palco - resultaram em um excelente DVD. Todos
que o assistem se sentem parte daquilo, bate uma cumplicidade geral. Uma banda
brasileira, paraense, abrindo o show dos maiores ícones do Metal mundial. Parece
enredo de filme hollywoodiano.
HMB: De quem foi a ideia do crowdfunding para o lançamento
em CD e DVD do evento Peso Brasil? Como foi participar deste evento?
Bala: A ideia foi do André Big, do Metalmorphose, com o
apoio do Ricardo Batalha e de todas as bandas envolvidas. Certamente foi a mais
importante reunião da história do metal brasileiro em todos os tempos. Músicos,
jornalistas, personalidades, público, todos em perfeita sintonia. Não dá pra
descrever o clima de comoção geral, emoção à flor da pele. Muita emoção nos
bastidores, no palco e na plateia, algo jamais visto antes, lágrimas eram
comuns. E o mais importante, bandas de metal brasileiro cantado em português.
Memorável!
Bala: Não está sendo fácil atingir a meta. Isso me desaponta
bastante. São cinco bandas brasileiras com história. Conforme o resultado, eu vou
repensar se vale a pena criar coisas novas ou só me divertir com o que já
fizemos.
HMB: Planos para o futuro?
Bala: Conforme o sucesso ou não do Crowdfunding do Super
Peso Brasil, podemos lançar um álbum novo, temos material de sobra pra isso (lançamos
uma inédita em janeiro, chamada Heavy Metal é a Lei). Se não tivermos o apoio
necessário, provavelmente cancelaremos esse novo lançamento. Continuaremos a
fazer apenas os shows que valham a pena.
HMB: Resuma Roosvelt Bala em uma frase ou palavra.
Bala:"O Coração de Metal"
HMB: Obrigado pelo seu tempo e por nos proporcionar este
belo bate-papo, deixe aqui uma mensagem para os nossos leitores.
Bala: Eu também agradeço pela consideração e pela oportunidade
de contar um pouco da nossa história. Gostaria que essa nova geração de fãs do
metal tivesse a mesma união que a minha teve. Não deixem o sonho se esvair,
aceitem os gostos nem sempre coincidentes, respeitem as opiniões adversas.
Heavy Metal não é política e nem religião. É uma paixão a ser compartilhada e
não disputada!
Um pesado abraço, direto da Amazônia!
(NOTA: Após essa entrevista o crowdfunding do evento
Super Peso Brasil atingiu seus objetivos e com
o apoio do público, e será lançado muito em breve.)
o apoio do público, e será lançado muito em breve.)
Muito firme essa matéria!...Grande abraç ao J.P. e a todos os seguidores e leitores do HMBreakdown.
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