Fernanda Czarnobai, baixista das bandas Forbidden Ideas e
Calibre 12, atualmente residente em Berlim (ALE), antes, percorreu o cenário da
música pesada do Brasil tocando nas mais diversas bandas, conquistou seu
espaço, o respeito de alguns e o ódio de outros, mas nunca deixou a peteca
cair. Nessa entrevista ela deixou bem claras suas opiniões e mostra que mesmo
distante ainda vive o cenário da música que faz o seu coração pulsar! Confiram!
HM Breakdown: Antes de tudo, obrigado pelo seu
tempo e por nos dar o privilégio dessa conversa. Agora, nos fale sobre você e
suas atividades.
Fernanda Czarnobai: Eu agradeço seu convite! Há 6 meses eu larguei tudo e vim morar em
Berlim mas sigo sendo membro "remoto" do Calibre 12 e do Forbidden
Ideas. Por enquanto aqui estou estudando e fazendo o corre. (risos)
HMB: E estando tão longe e num dos maiores centros pro Heavy Metal Mundial, qual era, e se mudou, qual é a sua visão do cenário Heavy Metal do Brasil?
Fernanda: O Brasil tem MUITA banda boa, cara, mas nos
últimos anos tem sido difícil fazer a galera ir aos shows, pagar entrada, ficar
dentro do pico vendo as bandas e curtindo as gigs. Todo mundo virou o dono da
verdade do metal na internet, mas ninguém sai de casa as bandas tocam pros
amigos e pras outras bandas o espírito do faça você mesmo continua forte pra
caralho entre as bandas, porra, a maioria das bandas paga a própria gravação, prensagem
e produção do material, mas se não tem publico, é foda. Tem cada vez menos
lugar pra tocar e alguns desses lugares não respeitam as bandas, não pagam
direito (sem contar os que oferecem cota de ingresso pra venda antecipada), às
vezes nem conseguimos tirar um som razoável. E ainda tem o lance de que os
estilos não se misturam, então se é um show com 4 bandas, todas elas são mais
ou menos do mesmo estilo, aqui tem show todos os dias em tudo que é lugar com
todas as faixas de preço e até de graça, e todo mundo vai, paga o preço que
for, fica pra ver todas as bandas, agita, compra merchan, fica até o final, o
som é bom (na maioria das vezes) e os estilos se misturam bastante, por exemplo
semana passada fui ver uma banda de stoner mas uma das bandas de abertura era
crust-punk e a outra de sludge e claro, o rolê estava bem cheio, e o valor da
entrada era o valor que cada um podia pagar. Com a quantidade de banda boa que
leva o corre a sério que tem ai, com mais incentivo e organização, dava
facilmente pra fazer uns festivais foda com o mesmo nível musical. Mas se a própria galera não apoia as bandas
locais...
HMB: Então você, assim como eu, é a favor da segmentação
dentro do evento e não do evento, buscando com isso trazer diversos públicos a
um mesmo evento?
Fernanda: Eu sou a favor de juntar as pessoas pra fazer
crescer o rolê e não de segregar ainda mais ou ainda, virar banda de internet e
fazer dois shows por ano, som extremo tinha que juntar todo mundo que gosta de
som extremo e não ficar se separando, fora de São Paulo isso acontece quase
sempre... E eu sempre achei do caralho isso
HMB: Então, no seu ponto de vista, como fazer para a cena se
manter viva?
Fernanda: Queria muito descobrir também (risos)! Eu não
tenho a menor ideia e nem quero ser a dona da verdade de nada, mas o que está
bem óbvio nessa matemática é: SOBRA banda boa ralando e se fodendo e fazendo
divida e indo atrás pra fazer o som e FALTA: lugar pra tocar, festivais
nacionais que não tenham apenas bandas internacionais, estrutura e apoio, gente
querendo sair de casa para ouvir o som ao vivo e apoiar as bandas. Parece que
vamos ficar no negativo até sei lá quando, tenho medo de num futuro bizarro no
Brasil ter um monte de banda foda tendo que viver de crowdfunding pra fazer
tour D.I.Y. nos EUA ou na Europa.
HMB: Entrevistei o
Christopher Correa, que é português e mora em Lisboa, e ele declarou
abertamente que a cena de Portugal é exatamente igual a nossa, com todas
dificuldades para bandas tocarem, pessoas que vivem a cena somente on-line!
Você percebe essa similaridade ai em Berlim também?
Fernanda: Do que eu vi até agora, a galera aqui meio que não
gosta de internet nem de rede social, a maioria é bem contra tudo isso! Aliás, por
um bom motivo: a internet aqui é controlada. tudo o que você faz aqui o governo
sabe que foi você que fez. Qualquer download aqui chega multa na sua casa com
seu nome (risos). Em todos os squats é proibido filmar e fotografar os shows e
principalmente as pessoas, por exemplo. Eu até agora não fui em nenhum show
"miado" sem ninguém, acho que eu que eu fui com menos gente, ainda
sim tava bem OK, pra uma 4ª feira. Até mesmo com 15 graus negativos a galera
vai pro show... Mas, pode ser que eu tenha tido sorte até agora (risos)...
HMB: Com que frequência os shows acontecem em Berlim?
Fernanda: Putz! Todo dia, em algum lugar tem alguma banda
tocando, cara e conforme o tempo vai melhorando a agenda vai piorando (risos),
de banda desconhecida a Black Sabbath (vai ter show deles aqui em junho com o
Soundgarden) fora os festivais que acontecem na cidade (acabou de rolar o Punk
& Disorderly e semana que vem rola o Desert Fest), andando na rua e vendo
os lambe-lambes ou se você olhar o Bands in Town ou o Songkick e ainda o site
com a programação dos squats dá um pouco de agonia! Te juro!!! Às vezes é
difícil decidir, mas, nesses casos o preço decide por mim (risos).
HMB: Assim como aqui, os valores pagos em apresentações são
altos em relação ao salário médio das pessoas?
Fernanda: Com certeza não! A media de preço aqui varia de 12
a 35 euros, depende da quantidade de bandas ou o quanto a banda é famosa o
Sabbath com Soundgarden, por exemplo, vai custar uns 75/80 Euros, surreal de
caro até para os padrões daqui, eu só vou em show que custa menos de 20 Euros
(risos).
HMB: E como você partiu para o som extremo? Qual formam suas
experiências tocando este estilo?
Fernanda: Meus pais ouviam muito Sabbath, Led Zeppelin e
todas as outras bandas que pais que gostam de rock escutavam (risos), mas som
extremo eu acho que quando eu tinha uns 10 anos o Sepultura já tinha ficado
conhecido com o Beneath the Remains e estava estourando fudidamente com o Arise
e naquela época as rádios de rock tocavam metal na grade normal de programação
e a MTV Brasil estava começando e tinha muito clipe de metal. Fora que eu
praticamente, comia todas as revistas de metal que tinha na banca para conhecer
outras bandas e ver o que estava acontecendo.
Daí, descobri o Slayer, foi quando eu resolvi tocar
baixo. E logo em seguida descobri o
Napalm Death e foi um caminho sem volta!
A primeira banda de metal que toquei, eu achei num anúncio
da Rock Brigade lá por 94/95. Eram eu, a Marina Takahashi (que tocou no Tiger
Cult) e mais outros 2 caras que responderam o anuncio. Não era nada extremo, mas
era divertido!
Em seguida eu toquei por pouco tempo numa banda de grind de
SP que chamava Oxiurus com uns amigos da escola de música e daí fiquei mais ou
menos uns 2 anos procurando banda de extremo em anuncio, galeria, etc. Mas,
nenhuma aceitava mulher! Foda né?
Acho que em 97/98 fui chamada pra tocar no Opera, uma banda
de metal melódico de SP. Toquei com eles por muitos anos, com um gap no meio
com outro baixista, mas foi bem legal conseguir vencer o preconceito e poder
tocar por tudo que era lugar! Fizemos muitos shows grandes! Depois disso fui
tocar no Morsek (extinta banda do ABC paulista que tinha o Ronaldo atual vocal
do Forka) e aí consegui entrar de vez no extremo: eles tinham a afinação bem
baixa, vocal gutural, triple pick e blast beat. E desde 2000 e alguma coisa,
quando meu irmão resolveu criar o Forbidden Ideas. Eu nunca mais saí e tempos
depois, passei também a tocar no Calibre 12.
HMB: Estranho pensar que em pleno ano de 2014 as pessoas
ainda tenham preconceito por mulheres tocarem som brutal ou Heavy Metal em
geral? Como você lida com isso?
Fernanda: Cara, vou
te falar que agora tá bem melhor nos anos 90 era quase impossível ver uma mina
numa banda de extremo! Eu ligava nos anúncios ou mandava carta e os caras
falavam: "você é mina? Não não..."
As bandas que tinham eram mais metal tradicional, metal
melódico ou hard rock e só e ainda as minas, e eu inclusive, tinham que lidar
com o publico gritando um monte de idiotice machista. Era um saco, mas acho que
de lá pra cá as coisas mudaram bastante e também a gente aprende a se impor com
competência, dedicação e seriedade e passa a ser respeitado por quem também
leva a parada a sério, mas claro que ainda tem muito comédia machista que se
acha o dono do metal.
HMB: Já assisti alguns shows do Forbidden Ideas e realmente,
a pegada é forte! Você ainda tem tempo para
estudar seu instrumento?
Fernanda: Quando comecei a aprender a tocar eu estudava
muito todos os dias mas depois de tantos anos, minha cota de estudar sozinha
meio que já deu (risos), praticar em casa só pra tirar música pra levar pro
ensaio e outra, nos últimos anos eu trabalhava demais e não tinha tempo pra
nada, as vezes nem conseguia ir nos ensaios. Depois de estudar tantos anos, eu
descobri que prefiro estudar no estúdio fazendo jams e ensaiando repertório
exaustivamente com todos juntos. Desde que mudei pra Berlim, eu eventualmente, pego o baixo e toco
sozinha. Mas não é a mesma coisa.
HMB: Planos para o futuro?
Fernanda: Nenhum! Cansei de planejar as coisas e viver pra
trabalhar e não ter tempo pra ser eu mesma, por isso, abandonei tudo e vim pra
cá. Não tenho a menor ideia do que vai acontecer. Talvez a única meta que eu
tenha agora seja tocar em bandas aqui em Berlim e viver o underground daqui até
voltar pra terrinha. O que também não sei quando vai acontecer!
HMB: Resuma Fernanda Czarnobai em uma frase.
Fernanda: Afff!!!!
Que dificil!! Posso pular essa? (risos)
HMB: Obrigado pelo seu tempo e por nos proporcionar este
belo bate-papo, deixe aqui uma mensagem para os nossos leitores.
Fernanda: Valeuzásso pelo convite! A entrevista foi muito
legal!! Uma mensagem...huuuumm... Caras não deixem o underground morrer!!!!
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