As pessoas me perguntam: Você só entrevista bateristas??? Não! Claro que não. Entrevisto pessoas, entrevisto opiniões e acima de tudo, entrevisto quem tem algo para dizer. Agora, não tenho culpa se eles, lá de trás do seu praticável, tem sempre muitas coisas, relevantes, diga-se, para falar.. E para não fugir da regra segue mais um baterista que tem muita experiência e melhor, muitas histórias para contar. Desta vez Evandro Júnior, confiram:
HM Breakdown: Antes de tudo, obrigado pelo seu tempo e por nos dar o privilégio dessa conversa. Agora, nos fale sobre você e suas atividades.
Evandro Júnior: Antes de tudo, obrigado pelo convite e boas
energias para o HMB! Vou me apresentar e fazer um apanhado geral dessas três décadas que estou envolvido com a cena nacional.
Meu nome é Evandro Júnior e toco
bateria desde os 17 anos. A vontade de tocar bateria e ter uma banda começou na
verdade mais cedo, por volta dos 13/14 anos, mas esse desejo só se concretizou
no dia em que meu pai percebendo minha paixão pelos tambores, chegou em casa um
dia com uma bateria usada que ele comprou e me deu de presente. Jamais vou
esquecer esse momento! A partir daí, nunca mais parei, e a paixão por esse
instrumento me levou inclusive a trabalhar por uns doze anos no comércio de
instrumentos musicais, especificamente a bateria. Voltando a 1984, eu e meus
vizinhos de rua decidimos ter uma banda de Heavy Metal. Era uma época em que já
éramos moleques cabeludos fãs de Maiden, Judas, Sabbath. Conseguimos alguns
instrumentos precários, amplificadores e começamos a ensaiar no porão da casa
do Henrique "Poço" que a principio queria tocar baixo, mas acabou
optando por cantar. A banda passou a se chamar "Fúria", começamos a
tocar covers e algum tempo depois passamos a compor as primeiras musicas, e
realizamos nossa primeira apresentação ainda em 84. Já no ano seguinte ocorreram
algumas mudanças na formação e resolvemos mudar o nome da banda para
"Anthares", e foi aí que fomos infectados pelo vírus que vinha da Bay
Area em San Francisco e se alastrou pelo mundo. Passamos a tocar Thrash Metal e
começamos a fazer muitos shows, até assinarmos um contrato com o extinto selo
Devil Discos para o lançamento do álbum "No Limite da Força" em 1987,
que acabou se tornando um dos clássico do metal nacional. Foram anos grandiosos, de muitos shows históricos e muita loucura. O Anthares acabou passando
por profundas mudanças já em 90, que quase levaram a banda ao fim, mas
resistimos até 96 com outras formações. A partir daí a banda parou e eu fui
tocar no Siegrid Ingrid, uma banda que estava bastante em evidencia na época.
Fiz parte da formação do Siegrid Ingrid até o fim das atividades em 2003 e gravei o álbum
"The Corpse Falls" em 99, lançado pelo selo Cogumelo Records. Após o
fim do Siegrid, iniciamos um novo projeto chamado "Skinlepsy" e
gravamos um demo tape que teve ótima repercussão na época, mas acabamos
congelando o projeto por tempo indeterminado devido a mudanças repentinas logo
no inicio e o desgaste que vivemos nos tempos loucos do Siegrid Ingrid. Eu
acabei voltando para o Anthares em 2004 e a partir daí a banda nunca mais parou. Apenas
algumas pausas curtas ocorreram, mas estamos na ativa a 10 anos e fazendo
muitos shows pelo país desde então. Em 2011 finalmente retomei o Skinlepsy com
o André Gubber (guitarrista), passamos a compor e em 2013 lançamos o álbum
"Condemning the Empty Souls" pela Shinigami Records. E também faço
parte da formação do Desaster, banda ícone do Thrash Metal nos anos 80, que também
voltou a ativa em 2011, e em breve estará lançando seu EP de estreia intitulado
"Face of Desaster".
HMB: Nos anos 80, em algum momento você imaginou a importância
que o Anthrares teria e, principalmente, a importância que “No Limite da Força”
teria no Heavy Metal Mundial?
Evandro: Realmente não, e hoje não sei dimensionar o grau de
importância que o álbum tem tanto no Brasil quanto lá fora. Evidente que o Anthares
continua fazendo muitos shows pelo país e isso se deve ao sucesso e
reconhecimento que o álbum tem. Naquela época a banda já estava em
evidencia pois, dividíamos os palcos com grandes nomes como o Sepultura,
Korzus, Dorsal, Ratos de Porão, MX, Attomica. E devido a isso recebemos o
convite de pelo menos três selos interessados em lançar o álbum de estreia da
banda. Optamos pela Devil Discos, que bancou toda a produção. Já havia uma
grande expectativa do publico pelo lançamento, mas a importância que o álbum
ganhou ao longo dos anos definitivamente não era algo que a gente pudesse
vislumbrar de uma forma realista.
HMB: Interessante notar que a banda se manteve ativa e
relevante para a cena nacional, muito disso graças ao seu esforço em manter o nome
da banda em evidência. O que o Anthares significa para você?
Evandro: Eu sempre achei que o Anthares merecia mais, que
deveria ter gravado outros álbuns, aliás isto está para acontecer agora com o
lançamento do novo álbum "O Caos da Razão" que está sendo gravado, 27
anos após o "No Limite da Força". Mas afinal, manter uma banda na
ativa produzindo material, gravando álbuns, depende de todos os envolvidos, e
eu nunca fui o "dono" da banda, nunca reivindiquei o poder de
escolher quem deveria fazer parte ou não da formação, mas mesmo assim eu sempre
batalhei para que a banda se mantivesse na ativa. Foram varias mudanças na
formação e em todas elas a iniciativa de abandonar o barco partiu sempre dos
outros. Após termos gravado um novo demo tape em 95 e eu ter feito um trabalho
intenso de divulgação, percebia a falta de comprometimento dos outros, o
desinteresse, e isso atingiu um ponto em que fui chegando a conclusão de que já
não valia a pena. Então, da mesma forma que os outros saíram em momentos
anteriores, eu decidi sair também, mas logo em seguida a banda encerrou suas
atividades. Quando voltamos novamente em 2004, o astral era outro, era mais de
confraternização, de voltar a fazer shows e curtir, mas na minha cabeça, a
responsabilidade de se manter o Anthares na ativa sempre foi por buscar o lado
mais profissional, a atitude que o publico espera de uma banda veterana na
cena, fazer algo que as pessoas possam elogiar, respeitar, dar valor, e é isso
o que temos buscado nos últimos anos.
HMB: Como é o trabalho com o Skinlepsy?
Evandro: É um aprendizado constante. No Skinlepsy nós temos
maior liberdade de composição, e conseguimos criar usufruindo das nossas
influências que são muitas, dentro das vertentes mais pesadas do metal. Na
musica do Skinlepsy você consegue identificar elementos do Thrash, Death e Hardcore, desde suas raízes até as sonoridades atuais. A banda foi formada logo
após o fim do Siegrid Ingrid em 2003 e seguimos o curso natural das
composições. Não se tratava de um novo projeto musical com novas temáticas ou
sonoridades diferentes, mas sim a continuidade do que era o Siegrid Ingrid. Se você escutar
o álbum "The Corpse Falls" de 99, perceberá isso claramente. Nós
estamos no momento em processo de novas composições que farão parte
provavelmente de um EP que pretendemos lançar ainda em 2014. Também estamos
começando a criar ideias para nosso primeiro clipe oficial, e muito
provavelmente o Skinlepsy passará a ser um quarteto em breve. Isso trará uma
dose extra de peso nos nossos shows e dará maior liberdade para o André Gubber,
que além de ser o único guitarrista, ainda é o vocalista.
HMB: Tocando em três bandas, como você administra o seu tempo,
e melhor, como administra cada particularidade dessas bandas na hora de compor?
Evandro: Eu passei a tocar com três bandas a partir de 2011, e
de lá para cá, as coisas tem caminhado com alguma normalidade. Porém, percebo
que agora em 2014 com o lançamento do álbum do Anthares e também o EP do Face
of Desaster as coisas tendem a ficar bastante corridas, mas dá para administrar
sem tanta interferência na vida pessoal. A questão é que cada vez mais meus
finais de semana estão sendo reservados para shows. O Anthares tem cinco datas
confirmadas até Agosto, e o Skinlepsy também. Evidente que as datas não podem
coincidir, então tudo é planejado de acordo com a minha agenda. As bandas bandas
tem suas próprias agendas e nelas anotamos todos os shows que vão sendo
confirmados para que não haja problemas. Já o Face of Desaster ainda não voltou
aos ensaios, pois a banda vem se dedicando única e exclusivamente a finalização
e lançamento do EP, o que deve acontecer em breve, e eu ainda não sei
exatamente o que esperar desta banda. Se as coisas tomarem a mesma intensidade
que está ocorrendo com o Anthares e o Skinlepsy, minha vida vai virar uma
loucura e eu teria que dedicar meu tempo a musica. O problema é que o retorno
financeiro, como todo mundo sabe, é extremamente pequeno, então pode até
acontecer de eu ter que abrir mão de uma dessas bandas para dar conta do
recado. Sobre a questão da composição, não vejo tanta dificuldade, porque no
fundo, as três bandas tem diretrizes em comum que é o Thrash Metal. A exceção do Skinlepsy que tem maior diversidade musical e faz com que eu tenha de
utilizar elementos do Death e do Hardcore e outras levadas mais complexas que
exigem mais de mim, mas como eu escuto bandas dos mais variados estilos, então,
nada chega a ser tão estranho para mim na hora de compor. O Anthares e o Face
of Desaster são bandas de Thrash Metal, e isso eu toco desde moleque, acho que
já estou familiarizado com o estilo.
HMB: E sendo bandas que tocam com velocidade, como você lida
com o desgaste e cansaço do corpo? Faz algum tipo de preparo físico ou até
mesmo alguma alimentação especial?
Evandro: Olha, eu acho que condicionamento físico para um
baterista de metal tem sua importância sim, e te digo isso por experiência
própria. Eu levava uma vida sedentária até os 30 anos, e tinha algumas
dificuldades para tocar nos shows, o corpo todo sentia. Lembro que alguns shows
eu fazia um esforço supremo para terminar, e quando acabava eu precisava deitar
para respirar direito. Comecei a fazer musculação a partir daí, não só por
causa da bateria, evidente, mas porque eu me sentia cansado mesmo, fora de
forma e fumava quase dois maços de cigarros por dia. Passei a me dedicar nos
treinamentos como se fosse minha única chance de vida (risos), mas algum tempo
depois, percebi que estava com uma pegada melhor na batera, pernas e braços
respondiam bem e o folego havia melhorado bastante. Mas é bom que se diga: o
segredo do baterista está nos dedos, nos punhos, nos calcanhares, na técnica!
Condicionamento ajuda, mas é a técnica quem manda. Portanto, se você quer ser
um bom baterista, estude, e bastante, tenha paciência e perseverança, senão
você vai ser só um tocador de bateria como eu (risos). Já a alimentação eu
confesso que desde que me conheço por gente como porcaria e continuo comendo. Mas isso tem
se tornado cada vez mais uma, preocupação para mim, preciso
urgentemente de uma reeducação alimentar, e certamente isso também vai me
ajudar bastante a tocar com mais qualidade, força e resistência.
HMB: Você se preocupa também com o condicionamento
psicológico, afinal, uma mente cansada reage de forma mais lenta?
Evandro: Cara, como isso é importante! É uma coisa que me preocupa
demais, preocupa a todos nós. Mas manter a mente concentrada, focada num
objetivo que a gente almeja alcançar, num desejo profundo de corpo e alma,
acredito que seja o grande segredo da felicidade, e todos nós podemos alcançar
nossos objetivos, não importa qual seja o tamanho dos obstáculos, das
dificuldades. Em 2011, quando resolvi encarar o trabalho árduo de tocar com
três bandas, eu estava vivendo o pior momento da minha vida, devido a um
relacionamento muito infeliz e que havia chegado ao fim. Eu perdi o rumo da
vida, quis abandonar tudo e estava enlouquecendo, mas em meio ao caos mental,
eu senti o milagre da música, o quanto tocar e tocar ia curando aos poucos
minhas feridas e então decidi não parar mais. Coloquei um objetivo na cabeça:
eu tinha que gravar três álbuns, um com cada banda, e não importava mais nada.
Estou muito próximo de atingir esse objetivo agora em 2014. E já estou criando
mentalmente planos para dar sequência, criar novas metas. Na sua pergunta você
se refere ao condicionamento psicológico, e acho que tudo se resume AO FOCO.
Sua mente pode estar cansada, seu corpo pode te deixar exausto, mas mantenha o
foco e seja feliz. Como diz o ditado: mente vazia, oficina do diabo!
HMB: Qual a sua concepção para a gravação das suas partes de
bateria? Existe algum “segredo” que você poderia compartilhar conosco?
Evandro: Gravar para mim sempre foi algo extremamente
prazeroso e ao mesmo tempo estressante! São duas sensações completamente opostas
que você vivencia dentro de um estúdio de gravação. Eu faço tudo o que é possível
para me manter relaxado na hora de gravar, tomo uma cerveja sempre, pois ela
reduz a adrenalina, e faço os aquecimentos normais que qualquer baterista faz,
alongamentos e variações de stick control na borracha. Mas mesmo assim, na hora
do "1, 2, 3 gravando" é difícil controlar a tensão. Eu também costumo
improvisar algum groove durante alguns minutos, usando todas as peças da
batera, pelo menos uns 10 minutos e aí vou para a gravação. Tenho extrema
dificuldade em ouvir o metrônomo, então apesar disso atrapalhar o andamento, eu
nunca gravei com metrônomo. Como eu pratiquei rudimentos com metrônomo durante
anos, consigo manter um beat com alguma consistência. Também não gosto de
"emendar" a bateria nas gravações, então tento gravar as musicas de
cabo a rabo, sem parar. Acho isso muito difícil, exige muito da mente e corpo,
mas até hoje ainda não encontrei a fórmula ideal para ter uma grande performance na
hora da gravação. Como eu não sou nenhum músico profissional que vive e respira
dentro de estúdios de gravação e faz o seu trabalho com relativa tranquilidade,
eu procuro encontrar mais tempo para praticar e tocar quando uma das bandas
resolve ir para um estúdio gravar material novo.
HMB: Planos para o futuro?
Evandro: Vamos falar de planos futuros especificamente pelo
lado musical que é o que interessa nesta conversa, e nos dias atuais é o que
mais me interessa também, mesmo porque pelo lado pessoal eu ainda estou em fase
de reformas estruturais. Como te falei anteriormente, eu tinha um projeto em
mente, o de gravar três álbuns com as bandas que eu faço parte e isso está muito
próximo de se concretizar.
O Skinlepsy, que lançou seu álbum de estreia em 2013, e
felizmente recebeu somente críticas positivas e que nos motivou, possivelmente
terá mais um guitarrista na formação, ideia que partiu do próprio André Gubber
(guitarrista/vocalista), para que a banda ganhe uma consistência maior e mais
peso nos shows. Acredito que em breve anunciaremos o novo membro da banda, e a
partir daí nós gravaremos nosso primeiro clipe oficial, terminaremos algumas
musicas que estão em fase inicial neste momento - apesar de já termos três musicas
prontas - e entraremos em estúdio antes do fim do ano para gravarmos
possivelmente um EP. Estamos buscando parcerias no exterior para futuras
distribuições dos nossos trabalhos por todo o mundo e estamos começando a
agendar muitos shows.
O Anthares deve continuar realizando muitos shows nos
próximos anos, como sempre aconteceu ao longo desses quase trinta anos de banda.
Acredito que com o lançamento do novo álbum "O Caos da Razão" que
acontecerá neste ano, a quantidade de shows deve dobrar. Também está nos planos
da banda a gravação de um clipe oficial, a ser lançado simultaneamente ao álbum.
E o Desaster, ou Face of Desaster se você preferir, acabou
de terminar a mixagem do seu EP de estreia. Neste momento, as sete musicas que
compõem o EP estão sendo masterizadas e em breve teremos novidades. A arte gráfica
deverá ser apresentada nas próximas semanas e há planos para um clipe oficial
também. O Desaster foi uma banda importante da cena nacional nos anos 80, mas
que nunca gravou um registro oficial. Quando voltaram a ativa em 2011 eu me
ofereci para ser o baterista, e após alguns shows em 2012 e algumas mudanças na
formação, a banda entrou em estúdio e desde então se dedicou única e
exclusivamente as gravações. A expectativa é de que a banda volte aos ensaios e
passe a realizar shows em 2014.
HMB: Resuma Evandro Júnior em uma frase.
Evandro: Persistente naquilo que acredita, um perfeito
idiota naquilo que não acredita, um apaixonado pela bateria e pelo heavy metal,
um perturbado diante da incompreensão da vida, e da própria raça humana.
HMB: Obrigado pelo seu tempo e por nos proporcionar este
belo bate-papo, deixe aqui uma mensagem para os nossos leitores.
Evandro: Quem agradece sou eu pelo espaço e pelo convite, a
você meu camarada, que segue uma trilha muito similar a minha e certamente
compreendeu muito bem tudo o que falei nesta conversa, e estendo meu
agradecimento a todos que porventura tenham lido estas linhas, afinal se
tiveram o trabalho de lê-las é porque compartilham de ideias e ideais
similares, ou seja, somos todos amantes da música pesada! Um viva ao metal
nacional, a nossa cena que se mantem ativa desde os anos 80, revitalizada por
bandas extremamente competentes, e gente como você e tantos outros que dedicam
muito do seu tempo a divulgação da cena, que organizam eventos, que editam
revistas, que montam fans pages, que mantem programas de radio, de tv, selos
independentes, meu mais profundo respeito e admiração a todos vocês!
Bem, sou suspeita pra falar desse cara. Ele é o grande culpado por eu curtir metal. Afinal, quando eu tinha uns quinze anos, ouvi AC/CD pela primeira vez ao lado dele, meu primo Evandro Junior. Meu, fiquei de queixo caído. Ahhhhhhhhhhhh!!! kkkkkkkkk Adorei! Resultado...nunca mais parei de ouvir. Grande baterista, pra mim,está entre os melhores. Grande entrevista. Parabéns! Você merece todo o sucesso do mundo, pela sua garra e competência!
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