André Abreu, cidadão guarulhense, guitarrista e um cara
muito politizado. Fala com propriedade e conhecimento de causa, além de ser um
cara com quem podemos falar por horas e horas. Firme nas suas posições e
respeitador assíduo da opinião alheia, tivemos essa conversa agradável e você confere
a seguir tudo que rolou.
HM Breakdown: Olá André, obrigado pelo seu tempo e
por nos dar o privilégio dessa conversa. Agora, nos fale sobre você e suas
atividades.
André Abreu: Salve JP e leitores do HM Breakdown, é uma
baita satisfação poder trocar essa ideia contigo, e uma honra, tendo em vista
que tenho acompanhado e curtido muito os papos aqui. Bom, talvez possa começar
falando sobre as coisas que eu faço o que de certo modo reflete com um pouco de
precisão (mas nem tudo!) sobre o que somos. As atividades que exerço hoje e que
permitem minha vivência possuir um significado, é a música e os estudos.
Significado entendido aqui como resultado de práticas que me trazem de volta a
mim mesmo. Práticas que não me separam do meu próprio corpo e da minha
consciência de si. Sempre estarei numa eterna tentativa, muitas vezes falha
(risos) de não privilegiar uma coisa em detrimento da outra. E acho que isso
logo de cara já não deu muito certo, porque escrevi musica na frente, mas não
tem jeito! (risos)
Além disso, tem o trabalho, que na minha condição operária e
histórica pessoal, é o meio que tem me permitido a sobrevivência básica e a
possibilidade de realizar estas atividades.
HMB: Sendo direto,
porque você se tornou guitarrista?
André: Comecei a tocar guitarra com 14 anos, pouco antes
disso já tentava fazer uns acordes de violão, mas meu ouvido sempre foi mais para
o lado da guitarra, do som sujo com distorção... Já à prática, e o vir a ser guitarrista, acho
que é uma coisa que ainda está em construção desde aquela época... No começo
tocava coisas e tentava imitar a forma de tocar de algumas figuras lendárias do
instrumento, que de certo modo admiro e curto muito até hoje, tipo Tony Iommi,
Eddie Van Halen, Brian Baker... Só que diferente destes monstros talentosos e
dadas minhas condições materiais, nunca pude me dedicar integralmente ao
instrumento como gostaria, e talvez eu nem tenha o DNA de guitarrista. Mas sou
teimoso pra carai e continuo desafiando a natureza. (risos)
HMB: Você é um cara
que respira música 24 horas por dia, quais são as bandas que estão
constantemente no seu player?
André: Olha, de uns meses pra cá pra ser sincero não tenho
quase escutado nada! Principalmente quando estou na rua, porque eu me fodi e
perdi tudo o que tinha no meu HD recentemente, e acabei enjoando da meia dúzia
de sons que tem no meu mp3 que sobraram. Então só ouço alguma coisa quando eu
paro em casa e fico no computador, aí é inevitável! Algumas bandas que conheci
relativamente há pouco tempo andam dando uns rolês dentro da minha cabeça:
Melody Monster só o nome ja diz bastante coisa... O Elefante, que é um projeto
do vocal do Dead Fish, banda da qual tenho enorme respeito. Tem o Koro, uma
banda americana de Hardcore dos anos 80... Skate Aranha, som de doido lá do
Piauí... O Gosto do Nojo de Jundiaí, Desacato Civil de SP, Asfixia Social de
Diadema, e muitas outras. Além disso, algumas classiqueiras de sempre que me
acompanham, Cólera, Plebe Rude, Bad Religion, Dag Nasty, The Ruts, Bad Brains,
Cro-mags, Propagandhi, Corrosion of Conformity, Carcass... A lista é grandinha
viu.
HMB: E essa diversidade se reflete também quando você toca,
fale-nos sobre as bandas em que você já tocou e toca hoje em dia.
André: JP, pra nós que somos operários da música, e
insistimos nisso de fazer som autoral, acabamos nos envolvendo organicamente
com muitas bandas, e nos apoiamos mutuamente na medida do possível. Meu único
critério pra tocar numa banda é a amizade e proximidade com os músicos,
obviamente que pra mim o alinhamento ideológico e de classe tem importância
determinante, devido a minha orientação ideológica à esquerda, que foi
adquirida primeiramente de forma instintiva aos nove anos de idade nas eleições
de 89, e de forma mais consciente e militante a partir de 2006 quando ingressei
na faculdade de História.
A primeira experiência que tive tocando foi com um grande
amigo de infância, o Edu, que foi quem me apresentou ao universo da musica Hardcore,
e que morava na minha rua em Guarulhos. Isso devia ser 95 mais ou menos. A
gente era uma dupla, ele na batera e eu na guitarra, e fazíamos um som meio
metal meio punk só com 2 notas rs, eu tinha acabado de aprender a técnica
palm-mute (palhetada abafada) na guitarra. A partir dessa época comecei a colar
em vários shows, no Alternative da Penha, no Skina 10 em Guarulhos, Aeroanta em
SP, e rolava uns também na escola aonde estudei a partir de 96, o Carlos de
Campos no Brás. O pessoal organizava várias festas lá com bandas de Punk Rock, Hardcore
e de Rock Alternativo. Após algum tempo resolvi levar mais a sério, e alguns
anos depois entrei no Hardtime, uma banda guarulhense também, e ali pude
desenvolver mais ou menos a linguagem que tenho hoje no instrumento. Depois de
um tempo, e um maior envolvimento na cena, comecei a conhecer mais o pessoal,
as bandas, e fui convidado a tocar baixo no Hateen. Em 2004, vivendo um momento
de dificuldade e crise, fundei o Voltera, que tinha uma linguagem mais pesada,
e a partir daí fiz um pacto com a afinação baixa que dura até hoje. Foi uma das
bandas que mais me significou nessa trajetória, principalmente pelo
desenvolvimento contínuo de uma autonomia criativa quase que total, com muito
pouca influência do que rolava nas cenas Hardcore e alternativa que até então
frequentava. Foi meio que um afastamento, mas não chegou a ser uma ruptura
radical com os amigos e bandas, mas sim uma proposta musical que ia pra outro
lado. Apesar do distanciamento, tenho mantido contato com amigos e bandas da
época até hoje!!
A partir daí, em decorrência de compromissos de trabalho e
estudo que se intensificaram, passei por uma cacetada de bandas por um tempo
mais curto, e as mais significativas foram Quadrado e Filme B. Atualmente
componho a linha de frente da banda Ferramenta, um antigo projeto que se tornou
concreto pra valer em 2011, e também no Yekun, a banda mais pesada e casca
grossa que já toquei até hoje.
HMB: Como você vê o cenário da música pesada no Brasil?
André: Acho que pra entender o cenário brasileiro, seria
preciso enxergá-lo como uma reprodução em miniatura da nossa sociedade no
geral, com as mesmas contradições, privilégios, conflitos e resistências. Se a
gente pudesse pegar um microscópio e ampliar somente esse cenário como uma
região, encontraremos muita disputa pelos domínios simbólicos e de espaço.
Depois de anos vivenciando e observando as coisas no underground, pelo menos
aqui em SP que é o centro orgânico do capitalismo brasileiro, e também muito
por eu não ter tido tantas oportunidades de vivenciar essas experiências em
outro lugar, não vejo o underground daqui como um lugar tão à parte e
"separado" do restante não.
Aliás, São Paulo como sempre está na vanguarda da manutenção a
qualquer custo das práticas e da mentalidade individualista, competitiva e
violenta dos anos de neoliberalismo. Enxergo muito conservadorismo hegemônico,
e pouquíssimos espaços e práticas de resistência e contradiscurso. O cenário
underground, apesar de carregar consigo uma essência que naturalmente se opõe a
uma lógica de domínio do mercado, acaba muitas vezes reproduzindo essa lógica
até de forma mais acentuada, dependendo do lugar.
Quanto às bandas, temos muita qualidade e também muita coisa
convencionada a ser considerada "ruim". Ora, e isso faz parte do
jogo! Da mesma forma que os ricos existem por conta da riqueza que conseguem na
exploração dos pobres todos os dias, as bandas "boas", de sucesso
(mesmo no underground), que contam com estrutura de ponta, ótimos equipamentos,
investimentos em aulas de música desde cedo, se diferenciam com orgulho do
"resto" e entendem isso como mérito próprio. Após a explosão do
underground de SP no início dos anos 2000, e por esta contínua reprodução das
práticas capitalistas de larga escala na pequena escala, se presenciou a
criação de uma casta superior própria, aonde os espaços com boa
infra-estrutura, tanto físicos quanto midiáticos, são quase inacessíveis para
os de baixo, ou seja, aqueles que em outro momento construíram a base do cenário
são excluídos na maior parte do tempo, tanto simbolicamente, pois aquela banda
é muito "ruim" pra tocar aqui na minha casa, ou ser divulgada pelo
meu site "autoridade no assunto", quanto também é separada
economicamente, fato que se traduz no absurdo das bandas ter que vender
ingresso no caso de desejar tocar nesses espaços. A sanha por lucro e prestígio
tem sido tanta em algumas casas que você não tem nem um acesso mais direto a
uma tentativa de diálogo com o proprietário, não há nem a possibilidade de negociação.
Isso tem contribuído para dividir cada vez mais o público, que considera o que
é bom, ou respeitável, somente se as bandas tocarem nos espaços desse circuito.
Mesmo que a qualidade de som, estrutura e respeito oferecida aos
freqüentadores, tanto banda como público, seja uma lástima. A contrapartida de
uma banda tocar ou aparecer nestes espaços apenas se gerar algum tipo de lucro
(econômico ou simbólico) para os proprietários e negociantes do underground, é
uma prática real em boa parte do cenário hoje. Não há novidade. Por outro lado,
existe a resistência.
HMB: Então, na sua visão existe um conflito de classes nos
eventos e no "o que vou assistir hoje", este vindo do público?
André: Não generalizando, mas vejo que uma boa parcela dos
que frequentam a "cena" aqui em SP tem uma tendência forte ao
elitismo, mesmo estando num ambiente pretensamente underground. É uma relação
verticalizada e autoritária que começa pela própria estrutura dos espaços.
Quando você vê numa casa de shows pretensamente underground aquelas gaiolas
pros fumantes do lado de fora, com o objetivo claro de não misturar aqueles que
pagaram o ingresso de quem não pagou e está do lado de fora, é um indício forte
dessa segregação (só pra constar, sou totalmente a favor de não fumar dentro
dos espaços de shows!). Já dentro da festa, temos aquela subdivisão: bandas de
abertura, sendo sempre “inconscientemente sabotadas” nas mesas de som e PAs, para
o som não ofuscar a qualidade da “banda principal”. Isso é uma coisa asquerosa
do rolê underground. Já estive dos dois lados nisso, e sabemos bem que existe
um interesse maior do público pela banda principal, óbvio. Mas acho que essa
relação de separação e privilégio cria um vício, e todos que são submetidos a
esta lógica acabam entrando na prática. Isso talvez se explique pelo perfil de
classe de quem compõe a cena hoje. Até mesmo esta separação que infelizmente se
tornou usual, banda principal em cima do palco, acima das bandas de abertura, e
estas por sua vez numa posição de pequenos privilégios acima do público, nada
mais são do que uma cópia miniaturizada do que se vê no mainstream e no show
business... Até mesmo as posturas, gestos, discursos são idênticos!! Chega a
ser caricato.
Ou seja, sendo mais direto, a cena a partir daquele momento
ficou ocupada por um pessoal classe média, mais elitizado, com tudo vindo em
mãos muito fácil, e com uma capacidade crítica muito débil. A vivência do que é
o ser e o fazer da classe operária anda em disputa, e a classe média que
geralmente, reproduz esses padrões individualistas. Acho que tem contribuído
muito para a desmobilização dos de baixo, e isso inclui o underground.
Ou seja, o referencial mudou, pois não existe mais a
capacidade de se reconhecer no outro ao lado, compondo o mesmo ambiente e o
mesmo rolê. Mudou muito o perfil da cena, ou seja: se tornou uma região mais
competitiva e menos solidária, mais individualista e menos cooperativa, mais
divisora e menos somadora, e muito menos amigável. Por essas e outras talvez
explique o descontentamento de uma boa parcela do pessoal um pouco mais antigo
que frequenta a cena atualmente, tanto de banda como público, se formos
considerar essa divisão usual.
Outro dia desses conversei com um grande camarada no metrô,
o Ricardo, que tocou bateria comigo num dos projetos embrionários
pré-Ferramenta, e compartilhamos o sentimento de não ter mais tanta vontade de
sair pra tocar e lidar com esse tipo de situação. E na real, acho que a cena
que está "consolidada" por essa mentalidade, naturalmente tende a se
esgotar, mas somente se houver práticas que resistam a isso e ofereçam uma
perspectiva diferente do que está aí.
HMB: Você então
acredita que essa conscientização das massas deveria ser eleita como prioridade
já nos primeiros anos de escola? Investindo muito mais na educação e no livre
pensamento dos futuros cidadãos?
André: Sem sombra de dúvida. Infelizmente a educação pública
por aqui, principalmente em SP, tem caminhado para o lado extremo oposto, e tem
recebido duros golpes desde os anos da ditadura civil-militar, que começou a
extrair do currículo escolar disciplinas que potencialmente poderiam estimular
o pensamento crítico e uma prática emancipatória por parte dos jovens nas
escolas. Disciplinas como geografia, história, filosofia, sociologia, foram
retiradas sumariamente do currículo para dar espaço a ensino religioso,
educação moral e cívica e outras surrealidades. A partir daí com as posteriores
políticas estatais de sucateamento dos serviços públicos para privilegiar e
beneficiar a esfera privada. Vieram anos de terror neoliberal patrocinado pelo
tucanato paulista. O resultado que temos hoje é essa barbárie que vemos por aí.
E nós que sobrevivemos a toda sorte de violência dos anos 90 e das investidas
da polícia psicopata que continua a assolar nossas quebradas, ainda temos que
ficar ouvindo um monte de viúvas da ditadura querendo intervenção militar...
Não sei, as vezes dá vontade de tentar se suicidar igual o Didi mocó fazia.
(risos)
HMB: Qual seria então
o estopim para a mudança dessa realidade, visto que protestos visando a
economia dos vinte centavos se mostraram ineficazes e fez com que o povo se
tornasse uma paródia dele mesmo?
André: Vejo que os protestos de junho de 2013 não começaram
exatamente ali, e também acho que não se encerraram ainda por completo. O
grande acontecimento muitas vezes mascara um pouco os mecanismos que movimentam
a realidade. Poderíamos dizer que aquilo foi uma revolução, se pegássemos pra
analisar somente aquela foto aérea do 3º ato pelo passe livre, com milhares de
pessoas ocupando a consolação indo pra radial leste. Não acho que foi uma
revolução propriamente dita, mas sem dúvida foi um momento revolucionário e
importantíssimo pra mobilização política popular, que não via nada do tipo
desde os movimentos pelas diretas já nos anos 80... Com 5 anos de idade não
participei, mas lembro do meu pai dizendo que foi em algumas das manifestações
no RJ e aqui em SP. No vale do anhangabaú o povo botou a rede globo pra correr!
(risos). Estamos ainda no processo de redemocratização do país desde aquela
época, e isso continua em curso!! Ainda
temos resíduos da ditadura, por exemplo, em SP a continuidade da polícia militarizada
mais sanguinária do país. Não foi realizada também a democratização dos meios
de comunicação (em SP por exemplo, não existe uma mísera radiozinha sequer de
som pesado/alternativo nas FMs, canal de televisão aberta então nem se fala!!),
entre milhares de outros problemas históricos, acumulação de vasta
quilometragem de terras nas mãos de pouquíssimos proprietários, resquícios da
mentalidade escravocrata, racismo, machismo... Se o processo democrático
continuar a ser consolidado como um processo em disputa e não for ameaçado por
grupos extremistas, fanáticos e fascistas, pode ser que tenhamos algum tipo de
mudança sim. Acho que a democracia tem que ser popular, e não elitista. Entendo
que hoje temos uma democracia elitista, mas o processo está em disputa e
aberto! Por enquanto, a meu ver, um pouco longe do ideal para efetivamente
transformar as estruturas na direção do empoderamento popular, mas a
transformação se dá também no nosso cotidiano, neste exato momento! Esta mesma
conversa talvez já seja algo que reproduz esse sentimento e prática de
transformação, assim como um coletivo popular estudantil ou de categoria de
trabalhadores que se organizou inspirado nas ultimas manifestações. As pessoas,
bem ou mal estão se politizando como nunca, discute-se política o tempo todo!
Acho que os protestos de junho de 2013 foram uma tremenda lição sobre o que
pode unir as classes populares na direção de objetivos concretos e demandas
urgentes, e entender que é possível conviver com as diferenças ideológicas internas
até alcançar satisfatoriamente estes objetivos.
HMB: Sim, mas apoio
da massa, que é o grande “boom” das revoluções, estão todos voltados a Copa do
Mundo. Você consegue visualizar uma mudança de comportamento das pessoas logo
após o encerramento desse evento, ou acha que o brasileiro não é guerreiro o
suficiente para tentar melhorar a sua própria condição?
André: A Copa do Mundo talvez seja um momento único na nossa
história. Temos visto as notícias de escandalosos benefícios concedidos pelos
governos para a movimentação do capital privado, principalmente às grandes
empreiteiras e outros setores específicos que abocanharam uma enorme fatia de
recursos, e enquanto isso, muitos despejos e violações de direitos populares
têm aumentado. As possibilidades de visibilidade planetária de manifestações
que mostrem explicitamente todas as nossas contradições históricas e problemas
que temos no país está colocada. E tudo isso ainda em ano de eleição. Acho que
seremos testemunhas de muita coisa. Eu particularmente acho que, apesar da
legitimidade dos protestos, rola um pouco de ingenuidade em algumas ações mais
extremas dos protestantes. Se essas movimentações recebem apoio de gente como
Bolsonaro e aliados, é preciso parar pra pensar um pouco. Acho que os problemas
que temos incluem sim as questões da Copa, mas acho que ela é quase
insignificante se compararmos à roubalheira que os grandes empresários e os
ricos promovem no dia-a-dia, sonegando impostos, comprando lideranças políticas
e acumulando à rodo riquezas provenientes de recursos públicos para se
consolidar cada vez mais. A economia tem submetido a política aos seus
desmandos.
Neste período que se aproxima, a correlação de forças será
colocada na mesa novamente. Quanto ao questionamento sobre a reação do brasileiro,
acho que nós, de forma geral, ainda somos um pouco reféns de todos esses
desdobramentos históricos, mas não acredito que somos essa entidade popular
"pacífica" como a famosa construção simbólica imposta pelas classes
dominantes sugerem. Somos sim um povo que, de uma forma ou de outra, têm se
rebelado e demonstrado insatisfação, mas a resposta vem sempre através de
massacres impiedosos!! Desde as matanças às resistências da invasão européia,
depois dos escravos rebeldes (e não rebeldes também!), passando pelos
movimentos de independência populares, de trabalhadores organizados, dos
comunistas e esquerdistas, até a juventude periférica principalmente negra. Ou
seja, tem se eliminado, fisicamente e ideologicamente, qualquer um que ouse
desafiar e propor qualquer mudança, mesmo que modesta na ordem estabelecida.
Fatos que continuam a se reproduzir atualmente. O Brasil é um país que tem sido
regido pelo ódio e pelo irracionalismo, e acho isso uma merda!
HMB: Música pesada e
política andam de mãos dadas? Ou esta seria uma realidade de um determinado
nicho dentro de um estilo?
André: Sim, com toda a certeza a música, seja ela pesada ou
não, pode estar perfeitamente alinhada à política!! A música é um meio, uma
forma do ser humano se comunicar com o outro e se expressar. Não acredito
apenas na música como veículo para divulgação ideológica, mas também qualquer
outra manifestação de arte. Seja na pintura, no cinema, na literatura, etc.
Acho que na música existem regiões (considero um nicho de
música pesada específica como uma região, por exemplo!) que são disputadas
politicamente através do universo dos símbolos de forma constante.
É só considerarmos, por exemplo, o que tem acontecido no Hardcore
de São Paulo. Vejo hoje a cena reproduzindo tanto a simbologia dos ideais
libertários e emancipatórios, que de certo modo tem sido a tradição derivada do
movimento punk quando se politizou nos anos 80, assim como também observamos
reproduções simbólicas mais “apolíticas”, e muitas vezes claramente viradas à direita,
mais conservadoras, e muitas vezes com discursos reacionários! Vejo então um
campo de forças e de disputa pelo significado do som Hardcore, pelo menos em
SP, que é reproduzido em sua maioria por agentes de origem operária, popular e
de frações de classe média proletária suburbana. Há uma disputa no interior
destas classes pelo direcionamento de suas representações políticas, e isso se
vê acontecer na cena também.
Mas acho que existem alguns estilos específicos que detém
certa hegemonia e que quase não há espaço para disputas simbólicas. Acho
interessante, por exemplo, o Death Metal, que a grande maioria das bandas desse
rolê possui um conteúdo politicamente libertário, e as bandas desse estilo que
possuem um discurso mais reacionário ou fascistóide quase não tem espaço (o que
particularmente acho ótimo). Se é que existe alguma, provavelmente não ameaça a
estabilidade do significado usual do estilo.
HMB: Planos para o futuro?
André: Em breve entraremos em estúdio pra gravar novamente
com a Ferramenta e a Yekun, e pretendo também dar continuidade a minha
formação, como professor de História.
HMB: Resuma André
Abreu em uma frase ou palavra.
André: Isso é bem cabuloso, bem difícil mesmo. Tem um poema
da Isabel Allende que pode ajudar "A vida é puro ruído entre dois
silêncios abismais: o silêncio antes de nascer, e o silêncio após a morte"
HMB: Obrigado pelo
seu tempo e por nos proporcionar este belo bate-papo, deixe aqui uma mensagem
para os nossos leitores.
André: JP, você é um grande camarada. E ações como estas que
você está fazendo integram mais a cena, e acho que se estamos descontentes com
algo, temos de fazer diferente e tentar reproduzir as coisas de acordo com o
que acreditamos. Aos leitores, deixo aqui um abraço e um desejo: Se você toca
em alguma banda, seja também o público, na medida do possível. Sempre apoie os
rolês e as outras bandas da sua cidade, do seu estado, do seu país, do seu
continente. Se você não toca em banda, monte uma. Escreva fanzines, publique
blogs, faça camisetas e adesivos, ajude a organizar shows. Quem sabe um dia,
conseguiremos destruir esses muros que dividem a cena entre “artista” e público
e assim talvez possamos construir um underground com mais respeito, justiça e
mais divertido e amigável. Espero que tenham curtido o papo, valeu!
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