quinta-feira, 19 de junho de 2014

Charlie Curcio, guerreiro, honesto e perseverante


Charlie Curcio, batalhador assíduo do Underground brasileiro, promotor de shows, dono de loja de artigos musicais. Mas a sua atuação maior foi como StomachalCorrosion, banda Grind Core com diversos lançamentos e respeitadíssima no cenário da música pesada. Charlie, que já foi baterista, guitarrista e vocalista da banda, neste bate papo, mostra que sua vida é o Metal e Hard Core. Confira.

HM Breakdown: Antes de começarmos, obrigado pelo seu tempo e por nos dar o privilégio dessa conversa. Agora, fale-nos sobre você e suas atividades.
Charlie Curcio: Tive o primeiro contato com a música pesada em 1983, quando o Kiss veio ao Brasil pela primeira vez, de lá pra cá venho colecionando coisas e me mantendo em atividade através de correspondências. Com o passar do tempo comecei a editar meus primeiros fanzines, Revista Merda, Crazy Invasion, La Kudrilo Zino.
Em 1989 comecei a tocar em bandas Punx, Insania, Diarrhea. Depois passando para algo mais para o Metal também, com a Interitus e Óstia Podre (sem H mesmo). Em 1991 iniciei a Stomachal Corrosion, com membros que eram da SC, mas que ajudaram a reformular a nova Óstia Podre. Em 2000 também toquei Baixo/Vocal na banda Crust de Santa Bárbara D'Oeste, Disarm. Na cidade de Cambuí, onde a história da SC foi mais intensa até então, também tive uma loja de artigos musicais, com predominância para Rock num geral, também montei um quarto de ensaios para minha banda e todas as demais da cidade e região. Lá também fiz várias excursões para tudo que era festival da região e que o pessoal se interessava em comparecer. Lá organizei alguns eventos, sendo um chamado Cambuí Hard Core Festival, onde ocorreram sete edições e movimentando a cena local.
Com minha mudança pra Itajubá, abri um Rock Bar, Barzim e organizei dois eventos de aniversário do mesmo, tenho uma loja virtual de artigos no âmbito do Rock no geral. E estou novamente na atividade com a Stomachal Corrosion.

HMB: A discografia da Stomachal Corrosion é bem extensa, qual a forma que vocês usam em suas composições?
Charlie: Na realidade não lançamos tanto material oficial durante nossa vida de banda. Mas procurei sempre colocar a Stomachal Corrosion em lançamentos como coletâneas em fitas cassete, VHS, CD, CDr, DVD e tudo que é formato que aparecesse. Isso manteve o nome da banda vivo nas memórias das pessoas, mesmo nos períodos de indefinições na formação.
Nossa maneira de compor sempre foi á mais simples possível. Sempre tenho algumas letras arquivadas só esperando serem encaixadas em alguma nova música da banda. Então, quando usamos o tempo de ensaio para compor, criamos um esqueleto com os instrumentos, para com o trabalho de encaixe da letra com o vocal, ir  moldando o som de acordo e chegar ao final.



HMB: Qual é a sua visão do cenário Heavy Metal hoje?
Charlie: E vejo as coisas muito confusas e numa fase transitória. Pois ao mesmo tempo em que as pessoas acreditam que tudo está perdido porque muitas mídias não vendem, como os CDs, também vemos muitos colecionadores retornando a comprá-los. O que é o mesmo para vinis e até ficas cassete. Ou seja, tudo é um ciclo. Até programas de rádio estão tomando força novamente.
Musicalmente falando a cada dia mais bandas com produto de qualidade, seja no lado musical em si, como de material promocional.
Conversando outro dia com o Airton Dinis, na sede da revista Roadie Crew, eu o perguntei se a internet afetou as vendas da publicação. Ele me disse que muito pelo contrário, pois o público Underground é colecionador e a internet apenas tem ajudado na divulgação da revista. Muito bom isso.
O que acho que ainda atrapalha é o pensamento de algumas pessoas que a música pesada, seja ela o estilo e ramificação que for não é um estilo musical, mas um bem próprio e que está sujeito aos seus achismos e cuidados. Tem muita gente que trata o Metal não como música mais como um bichinho de estimação, que não pode isso, nem aquilo.
Não acredito no pensamento de que tudo no underground deve ser feito só por amor, no sangue e na raça. Deve haver condições naturais para que os músicos por aqui permaneçam e não se sintam obrigados a migrar para outros estilos musicais para poder sobreviver. Tem gente radical demais que esquece que o mercado de trabalho limita idades, e pessoas que passaram muitos anos dedicados a tocar em alguma banda chegou a um momento da vida em que não se encaixa mais no mercado de trabalho, e tem que sobreviver.
Concordo com o que o grande Thiago Barata respondeu em sua entrevista. As bandas devem ter condições melhores para tocar e viajar.
Tenho defendido estas ideias há uns vinte ou trinta anos, e acho bom que os extremamente radicais tem perdido terreno, e as coisas tem se profissionalizado, uma vez que amamos e vivemos neste meio, devemos ter condições de nos mantermos aqui.

HMB: Como você vê a falta de espaço para as bandas autorais nas casas de show?
Charlie: Isso é um reflexo que amargamos pelas escolhas de bandas e público. Penso se um dia as pessoas desistirem de compor e vivermos de bandas covers, tocando as mesmas músicas o tempo todo. Não tivemos novos lançamentos, novos estilos, novas caras. Penso se um dia tudo se repetir o tempo todo. Será que as pessoas que tem optado pelas bandas covers se sentirão no paraíso ou também começarão a enxergar a realidade triste?
Mas, vejo que muita gente ainda acredita em si e em seu trabalho. Acho louvável falar sempre sobre isso e que as bandas autorais de mostrem, divulguem seus trabalhos e procurem por shows e tudo mais. Se acomodar e aceitar, ou até se render aos covers não vai levar a nada e lugar algum.
Você vê bandas covers tendo espaço em revistas, sites, e até respondendo entrevistas como essa? Não, né? Então há de se parar e refletir.


HMB: Você acha que o cenário musical pesado do Brasil, está destinado a pequenos shows e pouco espaço, vendendo seus CDs e merchandizing de mão em mão, até que por um acaso do destino, venha um gringo e diga: Own! Essa banda é legal, e bom! Muda tudo? Será que o brasileiro é xenofilista demais para dar valor ao que ele mesmo produz?
Charlie: Acredito que a música pesada não deva ser mais subdividida do que já é, com todos os gêneros, subgêneros, misturas e criação de novos rótulos a cada dia. Música é arte e como tal, deve ser universal. Como venho de uma grande experiência no Punk e Hard Core, defendo a não utilização de bandeiras. Sei que as bandas no Brasil penam para existirem. Sei que organizadores sérios de eventos decentes também são raros. Mas existem e devem receber todo apoio. Há uns fatores que eu sempre comento e tento colocar nas cabeças das pessoas aqui no Brasil. Há radicais ultrapassados que acham que as bandas de Metal ou qualquer estilo da música pesada, não devem tocar em eventos beneficentes e os shows receberem apoio de suas prefeituras locais. Isso é um entrave no andamento do meio. Uma que pagamos muitos impostos e essa galera precisa encarar o Metal e outros estilos como música, e não como seu cachorrinho de estimação, que não pode comer tal ração, não pode ter contato com o cachorrinho do vizinho que torce pelo time rival que ele, enfim... Essas bobeiras. Nada mais natural que a prefeitura injetar alguma grana nos eventos de música pesada sim. Apoiar com cartazes, alvarás, etc. E qual o problema em se fazer algum tipo de doação para alguma obra filantrópica da cidade? Fala-se tanto das igrejas que não apoiam como deveriam e coisa e tal, e esses radicais, que muitas das vezes são os que menos fazem, ficam nesse policiamento torpe. Esse pessoal não sabe que se um determinado organizador declara e divulga que o show é beneficente, rola muitos benefícios que um evento não beneficente não recebe com tanta facilidade. Simples assim. E sobre o cenário como um todo. Vejo que está num momento de transição. Antes a galera "dazantigas", eu me enquadro nesse povo (risos), chorava pelos quatro cantos do Brasil porque os shows internacionais eram escassos e raros por aqui. Depois da vinda do Kiss em 1983, as portas se abriram, organizadores com visão macro surgiram, veio o Rock in Rio, Hollywood Rock, Monsters of Rock, Live in Louder, etc. Até o Wacken Open Air criou interesse em vir pro Brasil. Mas, temos os shows menores, que são de suma importância e nunca acabarão. O que deve existir aí é seriedade dos organizadores. Ter lucros nos eventos, eu vejo como algo normal, afinal tudo que se precisa para um show é pago, nada é trocado por uma mão fechada e um grito de "Hail Metaaaalll, Porraaaa!" (risos). Mas, há como sobrevivermos cada dia melhor, desde que o público volte a apoiar os eventos sérios, as bandas autorais e que os covers voltem a ser apenas um "enchimento de linguiça" nos repertórios das bandas.



HMB: concordo com você quanto aos eventos beneficentes. Não seria este um caminho para mostrar a sociedade como um todo que existe boa intenção por traz da arte extrema?
Charlie: Sem querer ser pedante, mas eu tenho trinta e um anos no meio underground, já vi de tudo um tanto de vezes, então posso dizer, sem medo, que muitos radicais que se fecham em um mundo cada dia mais fechado, estão é com medo de encarar responsabilidades cada vez maiores. São pessoas que com o tempo se frustraram com suas próprias escolhas e atitudes fracas e derrotistas e vivem de confrontar o trabalho intenso de quem quer fazer as cosias cada vez melhor e de maneira profissional, em base de sua vida de frustrações e castrações, muitas vezes causadas por namoradas, esposas, filhos, empregos, etc. Mas, saiba que, todos desejariam ganhar a vida tocando em suas bandas, e pagando suas contas com o dinheiro dos cachês.
Eu sempre faço eventos e sempre arrecado algum dinheiro inicial com patrocinadores. Isso ajuda muito. Há pessoas que querem ajudar, são amigos de lojas, escolas, e outras entidades que frequento e que desejam apoiar com ao menos um pouco. Isso dá credibilidade ao evento, a mim, ao estilo do som, e tudo mais.
Vejo organizadores de shows com mais de 10, 15 anos de tempo nas organizações e ainda estão ralando com eventos pequenos, com bandas que se contentam em tocar de graça, com equipamento simples, para um público reduzidíssimo, etc. Dizer que estão satisfeitos com a situação, é mentir para si próprio, porque quando é anunciado um show de artista internacional essa galera fica putaça da vida.
É como eu sempre digo: eu não sou nenhum gênio, eu não tenho capacidades a mais que ninguém, eu não inventei nada e nem faço nada que ninguém consiga. Basta ter coragem e ir à luta, mostrar o trabalho e buscar por credibilidade. Afinal, o underground não é composto por um monte de ogro imbecil, né? Se bem que ainda tem gente que pensa isso de mim (risos).

HMB: e o que você acha da associação de bandas que buscam, juntas, melhorar e expandir seus shows?
Charlie: Isso é um assunto muito peculiar de cada cidade e pessoa. Já fui convocado a participar de uma associação assim, mas teria que dividir equipamento e contas com uma banda de Hare Krishna Hard Core. Meu, sou do meio HC há anos, não admito idolatrias, como essa galera vive. O tal do Krishna Core foi uma abominação musical surgida apenas para angariar a galera HC para as fazendas e os seus ensinamentos e vida devota.
Bem, resultado: arrumei uma puta confusão e quase apanhei dos Hares que lá estavam... (risos).
Mas, acho de suma importância sim, desde que haja realmente o pensamento em comum. Em Fortaleza rola uma associação há anos, e eles conseguiram muitas coisas legais em prol do meio musical e da música pesada em especial. O foda é que já vi alguns radicais inertes falando mal do trabalho deles lá no Ceará.

HMB: Os detratores chamam erroneamente essas associações de panelas. No alto da sua vasta experiência, como você vê os meios de comunicação voltados ao som pesado? Sejam eles revistas, blogs, sites, fan pages.
Charlie: Vejo o termo "panela" como algo bem diferente. Vivi algo assim no passado, e quando notei que para a Stomachal Corrosion ter apoio de certas pessoas de um determinado meio, eu tinha que andar com essa galera, falar que nem eles, ouvir o que eles dizem gostar, tocar como eles conseguem tocar em suas bandas e viver falando bobagens panfletárias que estas pessoas vivem até hoje... Bem, caí fora. Isso é ser panela, é estar em uma e viver assim fingindo estar satisfeito.
Quando resolvi sair desta panelinha de vida cíclica como um looping infinito e de falsos protestos, que são calcados apenas em cenas de países estrangeiros e nenhum comprometimento com a política, economia e toda essa vidinha sem vergonha da corja política brazuca, eu vi a minha banda deslanchar e tocar em eventos verdadeiramente de responsa.
Sobre os meios de comunicação utilizados no underground... Cara, o que posso falar? Hoje temos muito mais recursos e a agilidade da internet nos proporciona responder a uma entrevista em tempo real, sem a necessidade de utilizar taquigrafia, transcrições de gravações, etc.
Não sou do tipo que vive dizendo que os anos 80 eram os melhores. O melhor é hoje, se não tá legal, não reclame, tira a bunda da cadeira, largue a porra do celular e vá à luta. O ser humano é o único ser vivo que consegue mudar completamente o seu ao redor para o seu bom convívio, se há consequências à natureza e coisa e tal, aí já é outra história!


HMB: Você ainda organiza shows?
Charlie: Estou promovendo um em junho, 13. Será o aniversário do meu antigo bar, o Barzim. Mas, deve ser meu último evento que organizarei. Aqui em Itajubá é fraco de lugares pra shows.


HMB: Como está o Stomachal Corrosion hoje?
Charlie: Hoje estou reformulando a banda. Apareceu uma galera querendo reviver a SC e estamos ensaiando para em breve voltarmos a viajar e tocar por aí afora.
Também estou batalhando para lançar um CD de bandas tocando covers da SC. O chamado CD Tributo. Já recebi algumas gravações muito, mas muito legais, que tem me dado muito orgulho de todo trabalho que tive e tenho com a banda Stomachal Corrosion. São amigos e amigas que dedicam um tempinho das suas vidas para tirar e tocar um som nosso. São pessoas que sabem da importância que dou para esse lançamento. Mas, sempre há aqueles que fingem estar muito ocupados com suas vidas e suas bandas e dizem não ter interesse ou tempo. Mesmo que eu saiba que isso não é verdade, pois eles não fazem tantos shows e nem tem tantos compromissos assim com suas bandas. Mas estes eu prefiro até que fiquem longe, pois esse CD vai sair com uma junção de bandas e pessoas que me darão muito orgulho por terem feito suas versões de maneira espontânea e não com o pensamento de estarem me ajudando. Por isso que digo que ultimamente eu tenho estado sem tempo para quem não tem tempo pra mim!

HMB: Planos para o futuro?
Charlie: Cara, eu nunca tive esta de ter metas e planos futuros, porque vou fazendo as coisas conforme o meu tempo e as condições que me chegam. Mas, estamos voltando com o nome da banda, e estipulamos 2014 para ensaiarmos e se aparecer algum evento pequeno, nós pegamos mais para sairmos do estúdio, tocarmos em outros equipamentos e fazermos um laboratório na banda, sacar as deficiências e corrigi-las. Sempre gostei de agir assim.
Se chegarmos a gravar algo, ainda vamos conversar se lançaremos em CD ou simplesmente jogaremos na internet e já era. Mas, se tivermos grana, lançaremos nós mesmos. E distribuiremos e tudo mais. Estou muito cansado já de viver mendigando que as pessoas lancem os materiais da Stomachal Corrosion. Estou farto de ler ou ouvir que "já estou com alguns lançamentos engatilhados, cara. Fica pra próxima". Como sempre tem bandas melhores do que a minha pra as pessoas lançarem de depositarem seus trocados, os deixarei em paz e nos uniremos aqui no nosso grupo e faremos tudo por nós mesmos.

HMB: Resuma Charlie Curcio em uma frase ou palavra.
Charlie: Guerreiro honesto e perseverante.

HMB: Obrigado pelo seu tempo e por nos proporcionar este belo bate-papo, deixe aqui uma mensagem para os nossos leitores.
Charlie: JP, eu que tenho que te agradecer pelo interesse em me entrevistar. Fazia uma data que eu não respondia a uma entrevista. Acho que desde quando acabei a SC em 2009.
E para os leitores do grande blog... Vai o que sempre digo a minha vida inteira, e quem me conhece há tempos sabe que não estou mentindo. Acredite sempre em você mesmo. Não espere alguém fazer por ou para você. A vida passa! Os dias não voltam, assim como as oportunidades. Passar por esta vida e ser apenas uma lembrança para algumas poucas pessoas não é o suficiente. Seja ativo, movimente-se. Faça realmente algo por aquilo que você acredita e gosta. E não se preocupe com as críticas, porque sempre haverá os letárgicos de vontade, mas hiperativos das línguas.
Grande abraço a todos. E saibam... A Corrosão está viva!

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