terça-feira, 27 de maio de 2014

Augusto Miranda, ...na medida em que aprendemos a aturar isso, nos tornamos cúmplices...


Augusto Miranda é um cara que tem muito para falar, e fala. Com propriedade, com conhecimento de causa. Foi vocalista de uma das mais extremas bandas que já surgiram neste país, e quando falo “das mais extremas”, não estou me referindo apenas à música tocada em alta velocidade, mas ao extremismo das letras, das colocações sempre muito bem sacadas e inteligentes. Hoje, frente a sua nova banda, chamada “O Mito da Caverna” (já diz alguma coisa, né?), Augusto continua dando vazão a sua criatividade, desta vez, num andamento mais lento e com peso opressor e também com suas ilustrações, mas ele continua ácido, nas suas letras e nas suas declarações, confiram:

HM Breakdown: Antes de tudo, obrigado pelo seu tempo e pro nos dar o privilégio dessa conversa. Agora, nos fale sobre você e suas atividades.
Augusto Miranda: JP! Bom, vou ter que começar aqui com o clichê maior de todos os clichês (risos)! Claro que o privilégio é acima de tudo meu!
Sem mencionar o bem que me faz abrir uma janela (e que "janela" essa sua página!) nesses últimos oito meses que tenho me retirado para ilustrar num ritmo que sempre sonhei a vida toda mais nunca nem pensei que chegaria a entrar nele - nem imaginei também que, entrando nele, iria simplesmente olhar para o quanto tenho produzido e o tempo que tenho empregado nisso e achar tão escasso, tão pouco esmerado.
Acho que é importante mencionar também que além desses dias que chego a dedicar quase vinte horas de trabalho, ainda ajudo a manter a casa das máquinas operante, ruidosa, abafada e claustrofóbica (do jeitinho que á a vida nessas periferias em que vivemos) n'O Mito da Caverna - banda de sludge/grind que faço parte por esses dias.

HMB: Anteriormente você atuava como vocalista da banda Praia de Vômito, que fez um barulho considerável na cena underground? Porque esta banda encerrou suas atividades?
Augusto: Cara, sabe que por vezes me espanto de descobrir que tem até um número considerável de gente que conheceu o trabalho do Praia? Tipo, era algo que a gente fazia na certeza de que ninguém estava atento, acho que por conta de não sermos "do centro" - e ainda existe um muito dessa certeza falha - arriscada, até -  de que "se não está acontecendo no centro da metrópole, não está acontecendo".
Daí acontecem: alguém manda um arquivo de áudio - uma banda tocando uma música nossa!; Um grupo de adolescentes me procura perguntando se eu "autorizaria" eles a serem um "Novo Praia de Vômito" (risos), o que embora eu sinta que não tenha poder pra autorizar ou não, eu preferi vetar e aconselhar a montar algo novo, próprio, vindo deles mesmo, saca? Em alguma manhã de segunda minha linda companheira me manda um link e "bum", estamos numa lista de bandas que mais marcaram a fantástica lúdica passagem do Espaço Impróprio, em São Paulo; gente que fez estampas pras suas camisetas e patches com gravuras que fiz pro PDV... Coisas assim, saca?
Não sei, não entendo bem a razão disso analisando daqui tão de dentro, mas nunca houve um lance desses que não me tenha feito arrepiar, dá até medo por conta da responsabilidade implicada nisso, entende? Seguramente, Tudo dos meus 25 anos pra frente está debaixo da sombra do Praia de Vômito.
Por qual razão acabou? Acho que pela mesma razão que toda banda acaba, cara... Porque toda banda precisa acabar. Mais cedo ou mais tarde, precisa acabar, terá dito tudo o que tinha pra dizer e dar lugar pra coisas novas, mais profundas. No nosso caso, estamos aí com O Mito da Caverna.


HMB: Fale então, sobre o Mito da Caverna, qual é a abordagem lírica da banda?
Augusto: Tai um lance interessante, papeava sobre isso com o Igor (guitarrista n'OMdC), nas bandas mais "sonoramente Grindcore", em geral impera a abordagem social, política, com muitas paradas de  niilismo até, já nas bandas mais "Doom" ou Sludge, sobram assuntos mais existenciais, de espírito, solidão, saca? Particularmente acho muito demais quando as bandas de Grind se dão postura mais "poética" e as bandas de sonoridade tipo Sludge partem pras cabeças quanto às questões sociais, políticas.
Vou te dar exemplos fodões disso:
A outra banda do Igor, "Narayama" (nela ele é baterista e o guitarrista deles é o baixista na OMdC, Nicolau) tá entre as coisas mais violentas que o Grindcore produziu por aqui nesses tempos últimos, pra mim. Se você conferir as letras, sobretudo do lançamento mais recente, "Terra Suja, Vista Imunda", tem sim, claro, aquela pegada a respeito de muitos dos níveis de nossas relações sociais, mas um gancho de escrita que te pega pelos pés, te bate na parede...
E como exemplo de Doom, Stoner com enfoque mais social tem,os ferrados e pouquíssimo reconhecidos da Qerbero, que embora arregace na poética e tudo o mais, tem como pano de fundo mesmo as mazelas sociais, e o melhor de tudo, focado no cenário nacional, do que eles fazem parte mesmo. (Bem, são duas impressões que tenho, espero que as pessoas nessas duas bandas não se enraiveçam caso eu tenha falado merda...)
Bom, n'O Mito, vou ser sincero, por conta da parte lírica e estética a gente se considera uma banda de Grindcore embora os andamentos sejam tão lentos como na coisa toda do Sludge e até de Drone - e cada vez que menciono que nos entendemos como Grind, sinto cada vez mais que basicamente e a bateria que determina pra muita gente se uma banda é ou não Grindcore (risos).


HMB: Você um cara muito ligado ao pensamento, quais são as suas influências influencias  na hora de escrever?
Augusto: Olha... Sabe que não tenho nenhum método pra isso?
Não tem uma hora reservada pra sentar e escrever, o que rola é de estar na lida diária, e vem o pensamento e te assalta. Gosto da cachoeira de ideias quando estou pedalando ou fazendo corridas, cara (risos)! São muitas, cheguei a projetar um play inteiro pro Praia de Vômito, com letras, número de faixas, capa, encarte... Em coisa de 40 minutos (risos). Óbvio que pôr tudo na prática não é tão ligeiro assim.
Vou te dizer que a maior influência mesmo nessa coisa de escrita, me bateu quando li o 1984 ("dele...") pela primeira vez. É até um pouco "difícil de me livrar", seguir adiante com mais influências, saca? E ainda nesse ponto de "estética da escrita", tenho dado uma atenção bem forte aos lances que o Igor escreve. É tudo muito pesado, sufocante em cada pequeno detalhe.
E quanto à temática, bom, segue a mesma orientação com que acabo visualizando e fazendo tudo, seja em "Música", seja em Ilustração, sejam em aulas, aqueles mesmos preceitos, "crenças".
Expôr essas nossas relações de dominação (o mais forte sobre o mais fraco), a divisão sócio-econômica desigual, violenta, cada policial um desgraçado, cada igreja como ópio e, acho importantíssimo, tudo isso do ponto de vista de gente periférica, sabe? (até pelo fato de boa parte do que o povo daqui consome de cultura ainda não ser datado e pontuado daqui, ser muito mais algo mais de grandes centros, metrópoles e merdas desse tipo).

HMB; E sendo assim, como você lida com as intempéries do dia a dia, acaba sendo sufocante o dia que a inspiração não vem, ou você simplesmente deixa rolar, já que amanhã é outro dia?
Augusto: Cara, sempre vem, viu... O negócio é filtrar o que for mais proveitoso, entende? Já que vai ter um custo de tempo e grana pra pôr isso em prática, é bom filtrar legal, ponderar mesmo (risos). É bem nessas que uma pancada de banda e produção em geral de galera playboyzada fala tanta, mas tanta merda. Tipo, assim que vem a ideia na mente, seja lá qual for, têm tempo e verba pra gravar, distribuir isso de imediato...

HMB: Como você vê o cenário da música pesada no Brasil?
Augusto: Cara, falando do que menos deveria importar, a produção nunca foi tão ferradona, sabe? Coisa massa mesmo.
A parte lírica me parece seguir com algumas divisões e subdivisões, por que tem a galera que prefere não lidar especificamente com contextos sociais e a galera que adentra nesses contextos, mas uma parcela enorme dessa galera aqui parece ter por esse momento, uma série de "guerras internas" deflagradas, coisa entre eles mesmos... Ao invés de levar adiante com total enfase uma guerra pras cabeças de Estado e corporações. Acaba ficando coisa com cara de "birra de cena", sabe? Não vou generalizar mais do que já generalizei aqui e só quem levou um pisão no calo que sabe a hora certa de agir, mas fico com essa impressão muito forte, só tô sendo transparente...
E isso preocupa demais. Pois vejamos que se tantas lutas tão importantes, tão vitais a todas as pessoas de dentro e de fora desses circuitos ficam em posse de quem faz esse uso esquisito aí, logo acontece um esvaziamento do conceito.
Esvaziado o conceito, temos uma brecha enorme nesses muros que com tanto sacrifício temos construído...
Mas essa é mais uma impressão que guardo da coisa toda aqui em $ão paulo, cara, mais específico do material produzido ao centro. Falemos do que é produzido nas quebradas, para as quebradas e a figura muda.
Algumas poucas vezes a produção é fraquinha até, mas o conceito/contexto  vem que vem atropelando! E é muito material, cara!, Muito! Muito além do "rock pesado" ou do "rock" mesmo, com grupos incríveis de Rap e uns lances de música étnica, produção até de quadrinhos profissionais, cara! Teatro, sarau... Tudo muito forte, estruturado, vivo.


HMB: A periferia sempre foi o centro nervoso da música de protesto? Você acompanha essas expressões culturais mais, digamos mais afastadas do centro?
Augusto: Eu poderia estar bem mais a par, viu... Vou ser sincero. Acho que nós todos, aliás. Um lance bem legal é que nada canto desses, cada uma dessas periferias cria seu próprio "mote cultural"... Então em cada uma que você estiver, vai ter um material bem específico daquele lugar ali! Isso é demais!
Agora, sobre ser o "centro nervoso" da música de protesto... Cara, sabe que acho que não sei bem? Acho que enquanto houve produção Genuína de protesto, ela foi a respeito de situações de desigualdade, de exigência por reparações (óbvio). Essa condição periférica é algo que se molda a base de marretada na alma, que se carrega no tipo de coloração que o sol imprime na nossa pele - tudo isso é muito fixo e visível, não importa em qual centro você esteja... e dependendo de onde estiver, essa condição salta à frente em luta! Então acho que consigo entender - mas não sei se consigo expressar - que sim, a periferia é esse "centro nervoso", fratura exposta do protesto, mesmo que quem protesta não esteja exatamente dentro da periferia - que só com muita dificuldade será tirada de dentro da pessoa.


HMB: Em outras palavras, o preconceito é um mal enraizado na cabeça das pessoas, mesmo com elas dizendo e pregando o contrário?
Augusto: Putz, eu acho que não é só um mal na cabeça das pessoas, não.
É um monstro construído histórica, econômica, socialmente, mas sim, acho que rola preconceito demais por mais que se pregue o contrário.
Vamos dar exemplos práticos? Essa polêmica recente e asquerosa da banana no campo de futebol e a igualmente asquerosa campanha publicitária de "somos todos macacos"...
Cara, rindo pra não chorar, mas com vergonha alheia absoluta, só vamos reparando na galera que se diz "macaco igual a todos os outros", mas quem não conhece a insegurança de ser negro em periferia.
Sem contar na ideia de que nesse caso, tínhamos um bosta totalmente desconhecido agredindo uma figura pública - o jogador de futebol. Certo, o cara foi encontrado, foi punido, execrado publicamente e tudo o mais. (risos, a Veja lançou uma edição, mencionando na capa algo assim, que com isso aí pode ser que o racismo esteja com os dias contados (risos)...
Só que quando paramos pra verificar casos ainda mais sofríveis, feito os de Danilo Gentili e toda sua leva "bem humorada" de racismo, a situação é outra...! É uma figura pública totalmente bosta agredindo milhares de desconhecidos e conhecidos, e com palavras e imagens a agressão que ele promove é idêntica a do outro palerma torcedor de futebol, lá... Mas aqui uma porrada de jornalistas é figura de influencia na opinião pública deu risada junto ou na melhor das hipóteses, se omitiu...
Na medida em que aprendemos a aturar isso, nos tornamos cúmplices, saca?
Sei lá, conforme nunca conseguimos nos juntar e declarar uma guerra DIRETA a figuras icônicas assim, ficamos naquele discursinho de paz e de não-violência (que tem um efeito antididático enorme) e nunca capotamos o carro dele, nem coisa do tipo, acho que aprendemos a tolerar. "Ele é 'famoso ".

HMB: E como é de costume, logo a poeira abaixa e o fato é esquecido. Além disso, você acha que a memória do brasileiro é curta, e com isso erros monumentais se repetem ao longo da história? Algo como memória de peixinho dourado?
Augusto: Essa eu vou te devolver com outra pergunta, você acha que é um lance específico do Brasil, essa parada da memória curta?
É que eu acho que seja um tipo de problema  de cantos "subdesenvolvidos", sabe? Claro que cada lugar, sobretudo se for no "terceiro mundo" (termo tá em desuso, mas exprime bem), vai ter suas problemáticas bem específicas, mas é que se dizemos ser "um problema do povo brasileiro", de pronto inferimos que esse povo foi feito assim, moral e intelectualmente deficiente pela natureza ou por algum deus sádico. Um que goste de cruzes e sacrifícios (risos).
Josué de Castro fez aquela "divisão" do mundo, os que "não comem" e os que "não dormem com medo dos que não comem"
Então vamos tratar "os iguais desigualmente e os desiguais, igualmente" aqui:
Se, estamos diante de casos feitos esses aí, qualquer um de racismo que seja, e estamos falando de uma parcela da população bem atendida de educação e cultura, de conhecimento, de saúde física e mental, bem nutrida e de poder econômico seguro e ainda assim são omissos e/ou ainda riem que só a porra dessas "gentilices", eu vou te falar que não é memória de peixe não. Que é algo extremamente objetivo! Com o qual se mancomunam, pela ausência de diálogo e convivência com as vítimas e também pelo modo como isso ajuda a reforçar o domínio antigo que eles sempre tiveram sobre essas vítimas aí.
Agora podemos até aceitar a ideia da memória de peixe sim, se formos falar da parcela da população que está de fora desses direitos mais fundamentais que mencionei antes (educação, cultura, informação, saúde, alimento, segurança...). Mas é necessário mencionar essas situações sempre conjuntamente pra não abordarmos essa parada de modo "moral", sabe? Com respostinha babaca de classe média que só sabe falar de fulana e fulano "sem vergonha na cara", pra tentar encerar logo a questão.
E claro, não podemos deixar de mencionar, a pior de todas as armas, destruição em massa total, a televisão. A televisão e seus derivados e similares, aliás.
Por que esse Povo que não come é totalmente amortizado e roubado em sua memória do próximo e de si pelo que é veiculado na televisão e pelo tempo de exposição a ela.
E quem produz o conteúdo da mídia pras massas? O povo que não dorme!
Claro que aqui temos um leque gigantesco aberto, pra destrincharmos, entendermos... Mas que mantenhamos o foco nos dizeres dos bahianos fodaços do Lumpen, "ouça os gritos, a luta de classes não acabou".
Na verdade, a nossa não é bem uma luta. Vai ser ainda. Por ora, é mais um massacre de classes, totalmente desproporcional de recursos...


HMB: Eu acho sim! Mas, entendo bem a sua visão! Além disso, existe o gado passivo, que aceita tudo da forma como se apresenta. Não seria essa a visão da classe dominante e que prefere que assim seja, amém?
Augusto: Putz, e como é, viu. E como é!  Nesse contexto aí, de manter essa situação "vertical", de domínio de um sobre o outro, a televisão entra dando voadora nas costas. O gado passivo está passivo por uma série de fatores e um deles tem a ver com a coisa toda da mídia de massas. Tô insistindo nesse ponto pra poder relacionar com o que acabamos de falar lá em cima, sobre as produções periféricas, saca?
Cara, você deve ter estado e está frequentemente em eventos que não só não se alinham com a mídia mainstream, mas que contesta, bate de frente com ela... Tem uma sensação libertadora demais nisso!
É algo com que tento o tempo todo nortear meus trampos com ilustrações, por exemplo.
(Ah, essa entrevista aqui mesmo é outro belo exemplo de produção independente! Essa página não fecha com o padrão e com o nível de publicações de mídia de massas! Inclusive, contestar o mainstream faz parte da estrutura dela! Muito louco isso!)
Mas olha só, sobre a menção do "gado passivo", o incomodo que me pega é que, sei lá, eu acho que você, eu, a pessoa lendo isso aqui... Somos todos! Em maior ou menor grau, sabe? Somos todos, gado passivo!
De algum jeito, cada um em suas possibilidades e momentos, sempre podia ter feito mais, entende? Então, acho que autocrítica é fundamental.
Sem ela, nem adianta fazer muita coisa. Que se não - sem ela - o que acaba acontecendo é mais e mais casos na medida desses dessa onda triste de linchamentos que vem ocorrendo...


HMB: Certa vez, em um show do Praia de Vômito você disse algo assim: “Deus é uma coisa tão não sem sentido, que se ele existisse de verdade, teríamos que mata-lo!” Qual a sua posição em relação as religiões dominadoras, antigas e novas?
Augusto: (risos) Bastante saudade desses dias aí... Essa energia mais volátil, explosiva, comumente associada à adolescência, muito bom! (que bom que nunca foi embora!) - eu fazia uns set lists pras apresentações super cheias de fotos, de ilustrações pras músicas, saca? Até começou a rolar de algumas pessoas pedirem o set pra elas (risos) todo afrescalhado, curtia demais fazer isso.
N'O Mito, é totalmente irrelevante fazer isso, em geral é uma música por evento, então...
Na real, a frase é uma parada do Bakunin, sendo superácido em cima do Voltaire, né...
Voltaire disse algo do tipo "se deus não existisse, seria preciso inventá-lo..." e daí Bakunin martela bem nos dedos "se deus existisse, seria preciso matá-lo!"
Cara, "religião dominadora" é quase um pleonasmo, né?
Costumo trabalhar bem a divisão entre Religiosidade e Religião. A primeira é aquele senso mais interno do indivíduo, coisa dele pra enfrentar a vida e contra isso. Confesso, não tenho nada.
Agora quando se fala de "religião", aí tá tudo fodido, né. É um sistema político pra dominação de toda forma que se possa conceber e faz uso, sobretudo, da religiosidade das pessoas, numa espécie de chantagem mesmo...
Olha, e não me sinto nem um pouco temeroso de que termos esse pé em eras tão funestas nos leva de volta pra elas com muita frequência...
Esse caso horrível de linchamento de Fabiana Maria de Jesus, por exemplo, interliga todos os assuntos que tratamos até aqui nessa conversa... Praticamente a mesma coisa que era conduzida em caça a bruxas na Europa medieval... Bastou o boato totalmente infundado do sequestro de crianças para a Prática de rituais de Magia Negra (como se fosse uma acusação de bruxaria), que a turva - igual àqueles dias medievais, completamente composta, por gente paupérrima, desinformada, pouquíssimo educada - destruiu a mulher...
Não importou o fato de ela estar voltando da igreja, de bíblia em mãos... Deram o veredicto e pronto. Como se o que foi feito a ela fosse justo e correto perto do que lhe acusaram de fazer.
Sinceridade, eu não vejo ponto algum em que caibam organizações religiosas numa sociedade bem suprida de direitos fundamentais, saca?
Vejamos bem como se dá o cristianismo em países miseráveis e em países bem desenvolvidos.
A Universal foi barradaça na França, mas na África, o porra do Edir Macedo pinta e borda... Até conceitos de evangelismo no primeiro e no segundo tipo de lugar são totalmente diferentes...
Não sinto diferença nenhuma entre uma religião antiga ou nova. É triste optar entre um chicote com material antigo ou outro com material altamente tecnológico, se o fim dos dois é a mutilação das costas de tantas Fabianas Marias de Jesus.
E ela tinha o nome do seu senhor em seu próprio nome, e morreu com a mesma idade dele, 33...

HMB: Você crê que a educação é o caminho para o pensamento livre? Ou só a bagagem biológica nos basta?
Augusto: Cara, eu só consigo entender que qualquer tipo de revolução, de reviravolta passa pela educação. Seja social ou individual, não há qualquer forma de evolução que não passe antes e durante pela educação. Não me refiro necessariamente à educação estatal, enlatada, sabe? Refiro-me, antes à educação que desenvolvemos como comunidade, com o que rodeia a gente, sobre o que rodeia a gente, e é bem nisso que a coisa toda do pensamento livre entra.
Eu sou da área da educação, cara - na real, preciso acertar uns últimos pontos pra retomar como professor - justamente por que ser tão visível o potencial enorme desse tipo de estrutura.
Não consigo mais visualizar como efetivo hoje  tudo que o Ivan Illich pôs no "Sociedade Sem Escolas", mas guardo com respeito a observação de que cada pequeno ponto, cada esquina de nossa sociedade deveria se prestar a educar e que para a escola sobra essa árdua tarefa de ser a "única responsável" pela educação. É uma tarefa árdua, é torturante, é frustrante, maldosa...
 Inclusive, esses nossos circuitos alternativos, acho que conseguimos concluir que eles poderiam e deveriam ser bem mais pedagógicos e didáticos em vez de tão desesperadamente boêmios. Não vou dizer que todo mundo devesse ser algum tipo de professora, de professor, mas eu acho isso, sim (risos). E me coloco nesse meio, apontando um erro de foco, de falha, sei lá. Então, quando pego alguma letra de abordagem ampla e direta, de algo ainda não resolvido,  por exemplo com o tema "Moleque de Rua" , isso me encanta muito. Tem potencial de alcançar qualquer pessoa e discutir um problema que até já foi mencionado, abordado, mas ainda está aí, ainda é um baita problema.



HMB: Planos para o futuro?
Augusto: Acho que... Acho que os mais urgentes desses planos, são os que, estou pondo em prática agora, esse lance da tentativa de conduzir a vida com as ilustrações. Na verdade, gostaria de arrojar bem isso, mas mantendo acessível, mantendo à mão, pra que não seja um serviço prestado somente pra quem tenha mais grana, mas que também me dê algum bom suporte, pra poder ter alguma "tranquilidade" (risos) pra produzir cada vez mais
Como vou fazer isso (e se vou conseguir fazer isso), não sei, não sei mesmo, mas é a tentativa e risco que valem uma vida, sim, e tenho tido um suporte incrível (difícil de acreditar mesmo) de minha companheira - Alguém tem que pôr fé em gente doida, feia e vagabunda! E a propulsão e o apoio que a Kai tem me dado nessa empreita são fundamentais. Vitais, aliás.

HMB: Resuma Augusto Miranda em uma palavra ou frase.
Augusto: Hummmm... Acho que melhor do que alguma palavra ou frase, teve uma ilustração minha (falando nelas mesmo, né) que define bem, é uma que mistura a coisa toda de Ramones, com bicicleta e Akira (risos).
Olha só, confere essas ilustrações lá no blog que uso como portfólio!

HMB: Obrigado pelo seu tempo e por nos proporcionar este belo bate-papo, deixe aqui uma mensagem para os nossos leitores.
Augusto: Rapaz.... Que negócio arriscado esse de deixar uma mensagem, hein?
Vou fazer assim, prefiro! Tenho feito um movimento lento pra entender bem a obra do Belchior (fiquei dois anos parado sem sair do disco "alucinação", tenho estado há um no "autoretrato"!) 
Vou deixar a passagem de uma em que estou me detendo bastante, "descobri" por esses dias, a "Arte Final" - não por que eu me sinta confortável em dizer isso pra geral, mas por que me sinto entre os da geral, tocado por ela...
Antes, Beijão pra todo mundo que teve paciência e interesse em ler esse bate-papo até aqui - entrem em contato!Vamos bater papo também!
Beijão pra você JP, tanto pela iniciativa fodida quanto pela oportunidade que me concedeu nela
"E então, my friends? Bastou vender a minha alma ao diabo, E lá vem vocês seguindo o mau exemplo. Entrando numas de vender a própria mãe. Alguém se atreve a ir comigo além do shopping-center?  Ah! Donde están los estudiantes?  Os rapazes latino-americanos? Os aventureiros? Os anarquistas? Os artistas?

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