sexta-feira, 9 de maio de 2014

Daniel Sanchez, severamente mal humorado


Daniel Sanchez não se limita a dizer o que quer, mete o dedo direto na ferida, doa a quem doer. E mesmo com esse humor um tanto sarcástico, mostra conhecimento de causa e a propriedade de quem há anos hasteia a bandeira do Heavy Metal. Confiram a seguir:

HM Breakdown: Olá Daniel, obrigado pelo seu tempo e por nos dar o privilégio dessa conversa. Agora, nos fale sobre você e suas atividades.
Daniel Sanchez: Fala JP, antes de tudo,  obrigado pelo espaço cara, para mim é um prazer imenso poder ceder meu tempo para esse projeto!
Cara, sou mais um paulistano radicado no interior, nasci e cresci no bairro da Vila Espanhola (no meio da Casa Verde Alta), Hoje moro em São José dos Campos, no interior do estado, aqui trampo como designer gráfico, apesar de ter me formado em jornalismo, apesar disso nunca exerci a profissão na qual me formei, acredito que minhas ideias e pontos de vista não podem ser comprados por uma empresa ou por um meio de comunicação, então foda-se o jornalismo! Hoje em dia toco nas bandas Morfolk de Death Metal e Devastação Sob Terror de Grindcore, toco bateria desde os 16 anos de idade, antes disso, toquei em bandas como Hoctaedron e Unblessed (Death Metal) e no Fidel Slam Dancer (Crossover), devido a uma zica em meu joelho fiquei uns três anos afastado da batera e cheguei a fazer vocal em uma banda daqui da cidade chamada Chaos Synopsis por esse período.

HMB: Eu me lembro desse seu problema no joelho, foi uma luta e uma superação ímpar, como você se sente hoje, ao olhar para trás e pensar que os médicos chegaram a lhe dizer que você não voltaria a tocar?
Daniel: Pois é cara, na real, é uma sensação de: "eu consegui, cambada de arrombados!" Muita gente duvidou, mas estou ai tocando e pra falar a real até hoje é foda, é uma dor do caralho toda vez que vou tocar, pra amenizar passo pomadas, faço ciclos com anti-inflamatórios,  uso joelheira. Porém não tem jeito dói mesmo. Nunca mais voltei em um ortopedista depois que me falaram que eu deveria não tocar mais! Vai com dor mesmo, no amor, é o que eu gosto de fazer, lógico que hoje abuso menos dos dois bumbos, tento dar uma maneirada senão fode tudo de vez, sei lá cara, bateria pra mim é como se fosse uma terapia, me sinto em paz enquanto estou sentando a mão no instrumento, conseguir tocar um som rápido e ver que ainda consigo desempenhar isso de maneira correta mesmo com dores me da um pouco de orgulho e sensação de dever comprido, toda vez que ouço um elogio, pois não é fácil tocar um instrumento a tanto tempo sentindo desconforto.

HMB: Você busca algum tipo de condicionamento físico ou o folego e as câimbras ficam por conta do “amor” também?
Daniel: Cara, hoje em dia eu treino na academia, faço fortalecimento nas pernas para amenizar as dores, caminho, dou umas pedaladas de leve sem forçar muito, esse trabalho aeróbico ajuda e muito na hora tocar, a idade vai chegando, não da pra ser atleta só do bar mais (risos), tenho amigos que tomam uma pinga ou fumam “um” e já ficam prontos pra guerra, eu se não treinar chego à terceira música morto.

HMB: Como você vê a cena musical brasileira em especial ai na sua cidade?
Daniel: Cara, eu acho que música é música independente do estilo, desde o mais comercial até os mais undergrounds, não importa, se a música, a batida, o som ou qualquer outra coisa agrada alguém, mesmo que sendo empurrada pela mídia não se pode falar que determinada música é ruim, (mesmo que tenha algumas que não me descem nem a pau, mas gosto é que nem o toba né mano?) Acredito que existe espaço pra todo mundo, para todos os estilos, para todos os fãs de todos os seguimentos musicais, mas claro que em determinadas cenas como a metal, por exemplo, às vezes carecemos de todo tipo de apoio, de rádios, de maior divulgação, isso sem contar os aproveitadores que tem por ai né? Mas isso tem em todos os lugares.
Outra coisa que vejo no cenário musical e o preconceito em geral das pessoas com determinados estilos musicais, já que o Brasil é tradicionalmente reconhecido por outros ritmos, o rock/metal sempre acabou ficando em segundo plano, exceções, claro para as bandas gigantes e os grandes festivais, mas o engraçado mesmo é ver o preconceito que as pessoas têm com o som pesado, é ver que os descriminados bangers, roqueiros, etc. Também tem com os outros estilos e ainda mais, com uma puta arrogância onde se acham seres superiores por ouvirem um som mais trabalhado e na teoria liricamente melhor embasado. Agora um rápido pensamento que me ocorreu há algum tempo atrás: Qual a diferença entre uma letra de rap, forró e funk que falam sobre, violência, mulheres, carros, sexo, ostentação e uma letra do Motley Crue?  Ambas falam de putaria, mas vejo todo dia um monte de gente descendo a lenha em letras de rap, funk, forró  e chegando em casa e ouvindo um Hard que fala da mesma ostentação, lógico que glamourizada com a visão do sonho americano, ai me pergunto: seria o preconceito com o som em português, típico das periferias, das ruas ou do Nordeste do país? Ou aquele velho radicalismo? Já que se eu ouço metal, não posso ouvir outro estilo, pois senão serei um traidor da cena? É muita babaquice! Acho que o brasileiro é tão cheio de idiotices e não admite seus próprios preconceitos. E aqui na cidade é a mesma merda. E ainda pior, aqui já vi muita gente da cena Hardcore, tirando nego que curte metal e vice versa. Porra! Um estilo nasceu do outro, sinceramente não consigo entender!

HMB: Com certeza isso não é só na sua cidade! Você acha que as subdivisões dentro do Heavy Metal estimulam esse tipo de preconceito babaca?
Daniel: Cara, com certeza! Só pra dar um exemplo, pega o Sepultura da fase Chaos A.D.  e compara com o Hatebreed, porra, as duas tem sonoridades extremamente semelhantes, mas uma é rotulado como Thrash Metal e a outra como Hardcore, ai você vê pessoas falando que não gostam de uma por ser Metal ou da outra por ser Hardcore, sendo que as duas são extremamente semelhantes! Por conta de um rótulo muitas vezes colocado pela imprensa "superespecializada"! Começamos a segregar e deixamos de criar um cenário mais forte. Temos 300 subdivisões diferentes em um universo repleto de bandas. O engraçado que muitas nem soam de acordo com o rótulo imposto ao som delas! E o pior é, o fã, que deixa de consumir determinado som apenas por causa de um rótulo e na moral, essa porrada de subdivisões "rock brigadeanas" só segregam ainda mais a cena (que cena? ), seja em grandes centros ou em cidades pequenas, hoje em dia você conta nos dedos os rolês que se misturam alguns estilos (como por exemplo Heavy e Thrash, Thrash e Black) quem perde são as bandas e parte do público, sempre!


HMB: Há um tempo pergunto aos entrevistados do HM Breakdown se não seria melhor não segmentar os eventos, mas segmentar dentro do próprio evento, visando atrair públicos mais diversos. O que você pensa disso?
Daniel: Sou totalmente a favor, ano passado toquei com o Morfolk em um evento aqui na cidade com bandas de Crust, Crossover, Hardcore, e foi do caralho, havia Headbangers, Punks, Straight Edges, HCs, todos juntos, o resultado foi uma casa lotada e todas as bandas saindo satisfeitas do palco, não ouve uma treta, uma gracinha. Todos se respeitaram, parecia realmente  a porta para o final do mundo (risos)! Eu só não colocaria em um show bandas de White Metal, alias pra mim isso nem deveria existir, misturar o som do oprimido com a ideologia do opressor é muita falta de vergonha na cara!

HMB: O que você pensa sobre os incentivos culturais dos governos municipais, estaduais e federais? Acho que está é uma iniciativa válida ou um jogo de cartas marcadas?
Daniel: Cara se fosse para todos se beneficiarem como em alguns países do primeiro mundo acho válido, aqui na Terra de Vera Cruz isso só existe  pra artista consagrado, que apoia políticos e politicagens, resumindo um jogo de cartas marcadas, onde pouquíssimos de beneficiam, quantos artistas realmente independentes conseguiram esses incentivos (principalmente do governo federal)? Eu particularmente não conheço nenhum, vejo sim medalhões da MPB se beneficiando dessas leis... 
Vejo mesmo, organizações particulares cobrando de músicos a merda de uma carteirinha com a justificativa de que se você não paga por tal, você não pode ser considerado um músico profissional, o que te impede de se apresentar em diversos locais. É muita burocracia, e ainda tem gente que vem dizer que no Brasil existe incentivo a música ou a cultura? Só se for para propaganda política.

HMB: Você acha a Ordem dos Músicos do Brasil uma entidade séria? E mais, você vê um futuro melhor para as bandas autorais no Brasil? Ou acha que somos xenofilistas demais para dar importância ao que é nosso?
Daniel: Um órgão que quer cobrar um tributo, nada barato, por sinal, para que você exerça a sua arte já é de se lamentar!  Esse mesmo órgão tratar como contravenção o fato de você exercer sua arte sem estar regulamentado nele é pior ainda, imagina o cara estar lá tocando e ser preso, pois não pagou por uma carteirinha. Coisas do Brasil, como se, ser músico por aqui fosse algo fácil, já passamos por inúmeras dificuldades para tocar, do imposto alto na compra dos instrumentos aos produtores e donos de casa de shows picaretas, E qual é o retorno que a OMB te dá? Nenhum! É uma piada de muito mau gosto como muitas coisas aqui na Terra de Vera Cruz!
E velho você sabe né? No Brasil, principalmente no metal continua imperando a pagação de pau pra gringo, olhe em um show de banda gringa consagrada e veja quantas pessoas estão presentes, mesmo pagando preços abusivos na entrada, depois vamos a um show de uma banda nacional do mesmo estilo e talvez até tão legal quanto aquela, com uma diferença, a entrada custa 10, 15 reais, mas temos aquele choque, pra onde foram aquelas milhares de pessoas que estavam no show dos gringos? Nós vamos ver apenas uns 100 gatos pingados, alguns nem prestando atenção na banda, é lamentável, e depois vejo aquela falação demagógica de, vamos apoiar o metal nacional. Apoiar bandas como Sepultura, Krisiun, Angra, Ratos de Porão é muito fácil e felizmente eles são daqui, mas não são mais bandas nacionais, quero dizer bandas do nosso underground e indo mais além, saindo até mesmo do metal, quantas bandas novas de rock brasileiras você vê tocando nas rádios hoje em dia? O número é praticamente irrisório perto da quantidade de boas bandas em todos os estilos que temos!

HMB: Será que a realidade sobre a economia do nosso país, acaba por nos obrigar a escolher apenas uma opção, e por ser culturalmente desmotivado do seu produto, o público migra direto aos caríssimos shows internacionais? Numa postura de medo de nunca mais ter a chance de ver a banda novamente?
Daniel: Cara se isso fosse há uns vinte anos atrás, poderíamos falar do medo de perder determinado show, seria a sentença de nunca mais vermos determinadas bandas, mas hoje temos um cenário exatamente ao contrário, acho que tirando o Van Halen, todas as grandes bandas vieram ao Brasil, até com certa frequência nos últimos 15 anos, hoje estamos na rota dos shows estrangeiros, o tempo todo temos grandes bandas indo e voltando ao país, voltamos a ter grandes festivais. O que fere é que no meio de tudo isso, nosso produto vai ficando esquecido. Temos grandes bandas aqui, vejo muitos guerreiros lutarem por anos, lançando grandes álbuns, mas infelizmente perdendo as forças, tamanhas são as dificuldades com a falta de apoio e até mesmo de publico, é o velho complexo de vira-lata do brasileiro, aquela coisa de que tudo que vem de fora é melhor do que temos aqui, isso é algo cultural talvez por sermos terceiro, quarto mundo cresçamos achando que consumir o que vem de fora é melhor, o que vem de fora tem mais qualidade o, e esquecemos que o produto daqui às vezes é melhor e sempre mais barato!

HMB: Como andam os trabalhos para o novo CD do Morfolk?
Daniel: As gravações estão a todo vapor, logo mais vamos terminar o trabalho com as guitarras e os vocais e iniciaremos o processo de mixagem para mandarmos o CD para a fábrica, estamos fechando com um selo para o lançamento do álbum, mas até que estiver tudo certinho prefiro não divulgar. Mesmo porque os caras me matariam (risos), mas serão oito músicas, estou terminando toda a parte gráfica do disco e pelo que temos trabalhado no estúdio, acho que vai sair de acordo com o que estou esperando, a certeza que temos é: até setembro faça sol ou chova canivetes o disquinho vai estar na mão!

HMB: E sua outra banda o D.S.T.? Podemos esperar um novo trabalho ainda para 2014?
Daniel: A Devastação Sob Terror está retomando as atividades cara! Voltei a correr atrás de sons pra fazermos, e estamos definitivamente na pista novamente! Ficamos um tempo sem ensaiar até que conseguíssemos conciliar o nosso tempo, as nossas atividades do dia a dia, família, trabalho com a banda. Diferente de muitas bandas que a gente vê por ai, somos uma banda de amigos, e ela só existe com nós quatro como integrantes! Formamos a banda juntos e eu sinceramente não a vejo funcionando sem um de nós ou com qualquer outro integrante. É como falamos por aqui: o Gindcore não pode parar (risos)!
Estamos criando novas músicas, mesmo porque ninguém aguenta mais tocar as músicas antigas (risos) e queremos sim, gravar material novo este ano. O formato nós ainda não sabemos, se será uma demo, um EP, um full, ou um split. Queremos primeiro ter os sons gravados em mãos e ai, bater na porta em busca de apoio para lançar o material!


HMB: E com tantas atividades e ainda, fazendo shows com o Morfolk, já bateu uma vontade de matar alguém de uma das bandas?
Daniel: Com certeza! Banda é foda, envolve muitas vezes egos que, por qualquer motivo podem se exaltar, ainda mais quando todos querem caminhar em busca do melhor resultado pra banda, eu falo que é como um casamento ou um namoro, só que mil vezes pior, já que na banda  filho da puta bebe demais, fede, peida arrota e ainda reclama (risos). Existem momentos de estresse, mas é normal com a convivência, tem que saber levar, o lance é não perder o respeito, e eu confesso não sou dos mais calmos e fáceis de conviver (risos).

HMB: Planos para o futuro?
Daniel: Não costumo fazer muitos planos, foco muito no dia de hoje, mas gostaria muito de conseguir fazer um full com o D.S.T.  e tocar o máximo que minhas pernas aguentarem com as duas bandas! Vou continuar escrevendo um pouco mais dessa minha pequena contribuição com o Underground, sei que é muito pouco, diante do tamanho dele, mas só de participar já me sinto feliz, pois faço o que gosto e com muita vontade e isso me basta!

HMB: Resuma Daniel Sanchez em uma frase ou palavra.
Daniel: Perseverança

HMB: Obrigado pelo seu tempo e por nos proporcionar este belo bate-papo, deixe aqui uma mensagem para os nossos leitores.
Daniel: Eu que te agradeço o espaço JP, muito legal poder falar sobre diversos assuntos nesse espaço que você me cedeu! Agradecimentos também a todos que tiveram seu tempo destinado a ler essa entrevista! Nós vemos na pista!

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